O Uso estratégico do Medo

Na análise sobre os atentados às torres gêmeas, Benjamin Barber, alegou que a principal ameaça aos EUA não é o terrorismo, mas o medo: “o inimigo não é o terrorismo, mas o medo, e, no final das contas, o medo não vencerá o medo”. O medo interfere diretamente na razão e afeta negativamente a prática da política, levando as democracias a agir mais pela força das paixões do que pela força da razão. “Nova foi a força simbólica dos alvos atingidos. Os atentados não só derrubaram fisicamente as torres mais altas de Manhattan, mas também destruíram um ícone do repertório de imagens da nação americana”.

Os terroristas através das suas ações querem mostrar a ineficácia do governo, mostrar sua força e ao mesmo tempo, causar o medo. As pessoas esperam que os seus governos sejam capazes de protegê-los. Os governos têm de reagir ao terrorismo que mais não seja, para dar a sensação de segurança aos seus cidadãos.

Ao conseguirem introduzir bombas num aeroporto com elevadas medidas de segurança, por exemplo, os  terroristas mostram a vulnerabilidade do seu inimigo mais poderoso, embaraçando-o. Mas estas ações dependem da publicidade para funcionarem. Os terroristas querem que as pessoas vejam e saibam das suas ações de forma a provocar uma mudança em massa. Num desvio aéreo, temos a seguinte declaração de um terrorista: “Nós agimos de forma heroica num mundo covarde para inspirar as massas e para espoletar uma revolução”.

A natureza indiscriminada do terror, escolhendo métodos e alvos aparentemente aleatórios, semeia o medo propagando o mal, como a papoula entre o trigo. O medo provou ser a droga mais nociva das relações internacionais, porque acovarda a sociedade e a faz aceitar medidas inconstitucionais, que discriminam uma parcela da população em função da sua origem étnica ou credo religioso.

Mais penoso do que isso, o desiderato de cada nação em salvar a si própria leva à falta de solidariedade e fertiliza a mútua incompreensão entre os povos na luta contra o terror. Não menos grave é o renascer da crença na mensagem do homo homini lupus, homem lobo do homem. Dá a falsa idéia de que o construído por mãos humanas é negativo e sujo. Quanto menor o espaço para o exercício da cidadania, o homem torna-se menos sujeito da sua própria história. Quando o medo se sobrepõe  ao estado de direito, anula a capacidade de auto-reflexão da sociedade, abrindo um perigoso precedente para a tomada de decisões sobre a ótica exclusiva dos especialistas em segurança. Que raramente sequer têm conhecimento de direitos humanos, globalização, outras culturas, religiões, sociologia ou antropologia, especialidades fundamentais para se ter a visão do todo e não uma visão parcial e distorcida do quadro geral.

O sucesso do terror consiste justamente na difusão do medo que paralisa e torna insuportável a vida em sociedade. Nesse contexto não sobra espaço para a participação social em nenhum campo, pois a liberdade é limitada e restrita; não há espaço nem para a produção e o comércio, pois a economia não prospera em tempos de grande desconfiança; seguramente não há inovação tecnológica que não seja a de uso militar, nem ampliação da base industrial que dependa do livre pensar, um produto cada vez mais raro nesses períodos. Enfim, a vida do homem se torna pobre, primitiva e curta.

O terrorismo é incapaz de sozinho provocar a desestabilização de regimes políticos estáveis, mas pode facilmente detonar uma crise em regimes políticos instáveis. A verdade é que se os terroristas florescem em regimes instáveis, eles também se dão bem, e são até mais difíceis de localizar, em sociedades abertas.

Desde a sua fundação, os Estados Unidos se consideram únicos, excepcionais e, portanto, isentos das leis que governam a vida e o destino das outras nações. Seu idealismo lida com o sistema internacional orientado pela política doméstica, tentando projetar o mundo à sua própria imagem, “não porque queira dominá-lo, mas porque acredita que os americanos só poderão se sentir seguros em um mundo semelhante aos Estados Unidos”.

Os Estados Unidos sempre instituíram como estranhos aqueles que transgridem os limites impostos pela sociedade. Nesse início de século, os novos estranhos assumiram um papel de destaque no cenário político, transformando os riscos em mal-estar, e o mal-estar em um ato de auto-reflexão.

Os atuais terroristas fundamentalistas do século XXI são os novos estranhos perdidos entre dois mundos, que tentam encontrar na religião um porto seguro e uma identidade em comum que possa ser partilhada e difundida por outros estranhos.