Mais Leis, mais insegurança, mais terror
“Torna-se manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de mantê-los a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra”.[…] “Em tal situação não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto. Seguramente não há cultivo da terra nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar. Não há construções confortáveis nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força. Não há conhecimento da face da terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras. Não há sociedade. E o que é pior do que tudo, há um constante temor do perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.” (Thomas Hobbes – O Leviatã)
Após os ataques de 11 de setembro de 2001, foi proclamada a guerra contra o terror. Os Estados Unidos criaram o Patriot Act, que permite deter estrangeiros por um período indeterminado, sem nenhuma acusação precisa, por simples suspeita de participação em atividades terroristas ou ligações com organizações terroristas. Diversos outros países seguiram os passos americanos, colocando em ação leis de exceção que deram lugar a múltiplos desvios. No entanto, o mundo não se tornou mais seguro por isso, e os atentados terroristas não pararam de se desenvolver.
Os atentados de 7 e 9 de janeiro de 2015 na França foram seguidos de leis semelhantes, como a legislação sobre a informação, cujo objetivo era reforçar os meios dos serviços secretos legislando procedimentos particularmente intrusivos praticados desde longa data. O texto argumentava que o governo permitiria enquadrar melhor as atividades dos serviços. Para os defensores dos direitos humanos, a lei era um pretexto para que o governo francês pudesse agir com as mãos livres para exercer, sem controle judiciário algum, uma vigilância em grande escala e randômica, sem qualquer tipo de foco, podendo atingir todo e qualquer indivíduo, sendo ele suspeito ou não de práticas ilícitas, como o terrorismo.
Em conseqüência ao atentado seguinte, o de 13 de novembro de 2015, o Parlamento francês votou rapidamente e quase unanimemente a prorrogação por uma duração de três meses do estado de emergência, que oferecia às autoridades administrativas um amplo painel de medidas coercitivas, como o toque de recolher, perseguições a qualquer hora, controle ainda mais reforçado da internet, fechamento de locais públicos, proibição de se manifestar, convocação em domicílio com obrigação de permanecer em casa por doze horas seguidas, extensão da vigilância eletrônica, dissolução de associações ou agrupamentos cuja atividade atente contra a ordem pública.
“[…] os terroristas descobriram o sinistro segredo do estado de natureza hobbesiano: num mundo de medo e incerteza, mesmo o mais fraco pode matar o mais forte; o medo da morte pode ser mais paralisante do que a própria morte; e para superar a insegurança, os homens podem se deixar tentar a renunciar a liberdade – a menos que consigam descobrir uma fórmula pela qual possam abandonar a anarquia natural sem deixar de lado a liberdade. Essa fórmula existe, é o contrato social.” (Benjamin Barbe – O Império do Medo)
É surpreendente ver que no berço da nação que clamou por liberdade, igualdade e fraternidade, o Parlamento não se questionou sobre a oportunidade da prorrogação do estado de emergência por três meses. Assinando um cheque em branco e ignorando a tradição republicana da proporcionalidade e do controle em casos de medidas de exceção.
Para justificar tais medidas, o presidente da República adotou um discurso bushiano, com uma narrativa repleta de termos como guerra contra o terrorismo e erradicação dos terroristas. Criando uma sensação de insegurança e medo na população para que facilite a legitimação do uso da força, tanto no âmbito externo, quanto no interno do país.
O aumento de adoções austeras está claramente ligado ao aumento de ameaças e ataques terroristas, o que gera a preocupação sobre os limites dessas medidas. Deputados do Partido Socialista e alguns republicanos dos Estados Unidos já militam a favor de um controle da mídia.
Para Barber, tal fato é explicado da seguinte forma: “Funcionando fora da lei, tornando a insegurança onipresente e fazendo da liberdade um sinônimo de risco, o terror constitui a apoteose da anarquia internacional, a qual, por sua vez, intensifica a sedução da repressão brutal”.
A sociedade do início desse século nasce com o paradoxo entre segurança e liberdade, como se a segurança fosse incompatível com a liberdade, ou como se a liberdade fosse uma ameaça à segurança individual e coletiva. O ato terrorista tem como objetivo intimidar uma população. Seus autores procuram desestabilizar e fragilizar as democracias, desacreditando seus valores universais de liberdade e humanidade.
Quando o clima de desconfiança se instaura, contribui progressivamente para uma deterioração do local social, criando novas tensões. Cabe a cada cidadão não ceder ao reflexo do medo e se dar conta de que não será por um atentado às liberdades que sua segurança será garantida. A segurança é uma liberdade essencial, o Estado tem o dever de garantir a proteção de seus cidadãos, que por sua vez, devem permanecer em alerta fiscalizando a atitude de seus líderes.
“Os esplendores da liberdade estão em seu ponto mais brilhante quando a liberdade é sacrificada no altar da segurança. Quando é a vez de a segurança ser sacrificada no templo da liberdade individual, ela furta muito do brilho da antiga vítima”. (Zygmunt Bauman – O Mal-Estar da Pós-Modernidade)
Todas essas lesões às liberdades são ainda mais lamentáveis porque os atentados não encontram sua origem em uma insuficiência das leis repressivas, mas sim nas falhas dos serviços, tanto da polícia, quanto da justiça, oriundos de falta de meios financeiros, técnicos e humanos. São esses meios que devem ser reforçados, como reclamam há muito tempo os especialistas no combate ao terrorismo.
Em suma, a cada novo sacrifício das liberdades individuais aumenta a sensação de insegurança. Eis o mal-estar no mundo atual, principalmente pós 11 de setembro: quanto maior for o medo, menor será a sensação de insegurança e quanto maior a insegurança, menor a liberdade dos indivíduos.