Terrorismo e sua genealogia

O que é terrorismo?

 Para o alemão Karl Heinzen em sua obra Das Mord, qualquer uso de violência que gerasse pânico e terror como forma de atingir objetivos de determinada causa, caracterizaria o terrorismo como instrumento político. Porém, o julgamento do que é terrorismo deve ser feito com cautela, é necessário saber o conceito de terrorismo desde sua forma clássica. Para Bobbio apud Wellausen, o terrorismo “tanto pode ser um instrumento de governo para se manter no poder, quanto instrumento de libertação nacional em nações dominadas; de uma forma ou de outra, o terrorismo é sempre a quebra da ordem imposta pelo poder dominante”.

Chama-se de “terrorista” a ação violenta cujos efeitos psicológicos são desproporcionais aos resultados puramente físicos. A ausência de discriminação contribui para espalhar o medo, pois quando ninguém em especial é visado, qualquer um pode ser atingido.

Na visão de Bruce Hoffman:

“o terrorismo, no mais amplamente aceito uso contemporâneo do termo, é fundamental e inerentemente político. E está vinculado de forma inextricável ao poder: a busca, a conquista e o uso do poder para conseguir mudança política. O terrorismo é, assim, violência – ou, igualmente importante, ameaça de violência -, usada e direcionada na perseguição de objetivo político ou a seu serviço.”

Para Visentini, existem pelo menos quatro tipos de terrorismo, sendo o primeiro o Terrorismo de Estado, ou “terrorismo desde cima”, que seriam atos generalizados de violência sistemática, de um governo sobre sua população, contra minorias internas ou povos dominados, para quebrar resistência à sua autoridade e impor um determinado projeto.

O segundo tipo seria a execução de atos violentos, especialmente atentados, contra alvos determinados, muitas vezes fora das fronteiras nacionais. Ligado a ações políticas, para chamar atenção da opinião pública ou mesmo desestabilizar o inimigo.

O terceiro, o terrorismo comunal (ou comunitário) das guerras civis, ou “desde baixo”, estaria manifestado em conflitos desordenados, em que a população civil ou suas milícias intervêm diretamente contra outras comunidades, geralmente minorias.

O quarto tipo é um sentimento de insegurança das populações em épocas de crises e incertezas, podendo ser entendido como uma “ansiedade global”, uma percepção de pânico, criando um consentimento a medidas repressivas que podem implicar na perseguição de opositores, arbitrariamente chamados de terroristas, sendo justificável a supressão de direitos civis e o desencadeamento de guerras.

Para Schmid e Jongman, a busca pela definição de terrorismo ainda é um processo em andamento, pois continuam existindo consideráveis incertezas sobre o modo de como pensar o problema. Os autores o apresentam:

“Terrorismo é um método inspirado na ansiedade sobre repetidas ações violentas, empregadas por indivíduos (semi)clandestinos, grupos ou atores estatais, por razões idiossincráticas, criminais ou políticas, por meio das quais (em contraste com assassinato) os alvos diretos de violência não são os alvos principais. As vítimas humanas imediatas da violência são geralmente escolhidas aleatoriamente (alvos de oportunidade) ou seletivamente (representações ou alvos simbólicos) de uma população-alvo, e servindo como gerador de mensagem. Ameaça e violência baseiam o processo de comunicação entre terrorista (organização), vítimas (expostas ao perigo) e os alvos principais que são usados para manipular o alvo principal (o público), tornando este um alvo do terror, um alvo de demandas, ou  um  alvo  de atenção, dependendo do objetivo primeiro: intimidação, coerção ou propaganda.”

Uma das definições mais pertinentes seria a de Martha Crenshaw, que aponta que:

“Uma definição básica (do terrorismo) incluiria os seguintes atributos: o uso sistemático de violência não ortodoxa por pequenos grupos conspiratórios com o propósito de manipular atitudes políticas mais do que derrotar um inimigo fisicamente. O propósito da violência terrorista é psicológico e simbólico, não material. Terrorismo é premeditado e propõe violência,empregando um desafio para o poder político.”

Em seu artigo As causas do terrorismo, de 1981, a autora aponta as dificuldades em encontrar explanações gerais para o terrorismo e busca um padrão comum para a causa em três questões: por que ocorre, como o processo funciona e quais são seus efeitos políticos e sociais. Concluindo que o conceito é um produto de escolha racional e política, através da análise de quatro grupos de variáveis, a saber, estratégica, estrutural e psicológica.

Terrorismo é o resultado de uma decisão de uma organização que possui objetivos de oposição a um determinado grupo, estatal ou não. O motivo de que o comportamento terrorista deva ser analisado como racional é baseado na ideia de que organizações terroristas possuem lógicas muito bem construídas, difundidas através de seus valores, crenças e visões de mundo, portanto, o ato terrorista deve ser visto como um meio lógico para alcançar um fim.

A renomada autora identifica também pré-condições para o terrorismo: a premeditação, os assuntos que formam o estágio do terrorismo no longo prazo, e os precipitantes ou gatilhos, que seriam os mecanismos que ativam a ocorrência do ato terrorista no curto prazo.

Na introdução do livro, Terrorismo e Relações Internacionais: Perspectivas e desafios para o século XXI de 2010, Crenshaw afirma que após 11 de setembro, o terrorismo passou a ser um problema de segurança internacional, e não mais secundário, em especial nos Estados Unidos, com a guerra global contra o terrorismo.

A autora afirma que além de condições históricas específicas e uma combinação de incentivos e oportunidades para formar o terrorismo, é preciso debater o grau de condições estruturais que o determinam, como a globalização e a falta de democracia, por exemplo. É necessário refletir sobre o todo, pois fragmentos do contexto podem ser compreendidos erroneamente.

Eugenio Diniz, referência no estudo do tema no Brasil, afirma que não existem definições incontroversas sobre o tema, podendo-se nomear manifestações muito diferentes, impossibilitando a análise e induzindo ao erro. Para ele, tentar falar de terrorismo, muitas vezes é, propositalmente ou não, objetivo de desqualificar ou depreciar politicamente adversários, sendo o termo, ao mesmo tempo um fenômeno político, social e um termo pejorativo.

Para maior entendimento, faz-se necessária a definição de seus meios, fins e reflexões históricas. Simplificar terrorismo como terror parece insuficiente, podendo ser usado como “terrorismo como emprego do terror para fins políticos” ou ainda, “o emprego político do terror”. Atentados terroristas têm como objetivo mais imediato, a divulgação de uma situação e de um grupo voltado a mudá-la, bem como mostrar a vulnerabilidade do oponente.

Em suma, o autor define que

“Terrorismo é o emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não compelir nem dissuadir) num outro público (que pode, mas não precisa, coincidir com o primeiro), um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo- lhe no futuro alcançar seu objetivo político, qualquer que este seja.”

Alegando que o objetivo de um grupo terrorista é “alterar a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no futuro alcançar seu objetivo político, qualquer que este seja”. 

Jenkis, em seu artigo de 1978, International Terrorism: trends and potentialities aponta que táticas terroristas eram utilizadas por fanáticos políticos, para atrair atenção mundial para suas causas no intuito de compelir governos a fazer concessões a eles. Apontando também para o aumento do número de atentados terroristas, na década de 1970, diferenciando incidentes de terrorismo internacional. No entanto, em seu artigo de 2006, The New Age of Terrorism, o autor propõe considerar mudanças ocorridas nas últimas décadas, apresentando o termo como uma construção generalizada derivada de conceitos de moral, leis e regras de guerra, levando em consideração que atualmente, além de política, ações terroristas dependiam também da cultura, da ideologia, da religião e até da etnia. Notando também uma alteração no que tange a violência desses grupos, e seus recursos de financiamento e de organização, com alcance global e movendo de tática para estratégia.

O terrorismo assenta, pois, no recurso sistemático à violência como forma de intimidação da comunidade no seu todo. No entanto, a prática do “terror” pode visar finalidades políticas muito distintas: a subversão do sistema político, a destruição dos movimentos cívicos ou democráticos, o separatismo ou a afirmações de convicções religiosas, como sucede com alguns movimentos fundamentalistas.

 

Genealogia do termo

 

 O foco das primeiras discussões sobre terrorismo na ONU era sobre o motivo ou os motivos que levavam ao fenômeno, jogando para segundo plano a problemática do pré e pós-ataques. A Resolução 3.034 de 18/12/1972 da Assembleia Geral, determina que as medidas de combate ao terrorismo devem relacionar-se também com as causas da violência, que têm por origem a miséria, as decepções, as reclamações e o desespero, e impelem certas pessoas a sacrificar vidas humanas, inclusive a própria, para tentar realizar mudanças radicais. Somente após um sequestro em 1985 de quatro membros da diplomacia da URSS que a ONU determinou que todo tipo de terrorismo, mesmo aqueles onde determinados povos pediam legitimidade seriam condenáveis.

Para o historiador Walter Laqueur, o estudo e a compreensão do terrorismo devem vir de uma análise histórica. Dessa forma, o autor apresenta uma visão de que o contexto histórico é o que importa para o rótulo de terrorismo, e de que “nenhuma definição pode abarcar todas as variedades de terrorismo que existiram ao longo da história”.

O que reflete a dificuldade de definir e enfatiza a importância da abordagem histórica sobre o tema. Hoffman afirma que a dificuldade em definir o terrorismo também se deve pela frequência com que o termo mudou nos últimos 200 anos. Para Diniz, o terrorismo não é um fenômeno atual, há uma infinidade de exemplos históricos antigos para comparação e estudo, não se tratando, no entanto, de um fenômeno atemporal, pois grupos terroristas são fenômenos sociais que dependem de uma série de fatores sociais disponíveis de cada momento histórico. Crenshaw também aponta que o terrorismo é antigo e alega que diversas organizações, com crenças e ideologias diferentes, como nacionalistas, socialistas revolucionários, extremistas de direita e religiosos, já utilizaram atos terroristas através dos tempos para tentar alcançar seus objetivos.

Para Lacqueur, os primeiros exemplos de terrorismo aconteceram em meados do século I, com as ações dos Sicarii, judeus que buscavam proteger a tradição, assassinando autoridades romanas e hebreus que colaboravam para a ocupação dos romanos na Palestina. O autor observa ações terroristas também em grupos de assassinos, que atuaram na Pérsia e na Síria, aproximadamente do século XI ao XIII, no assassinato de sunitas e cristãos, em uma mistura de esperança messiânica e terrorismo político. Contudo, o terrorismo moderno tem nascimento na Revolução Francesa, com os tribunais de Robespierre e seu efeito aterrorizante, sendo o termo utilizado pelos jacobinos, em um sentido positivo sobre si mesmos.

O termo foi usado pela primeira vez em 1798 no Suplemento do Dicionário da Academia Francesa para “caracterizar o extermínio em massa de pessoas de oposição ao regime promovido pela autoridade governamental instituída”. Nesse sentido, o Estado é o agente do terror.

Laqueur afirma também que diversos grupos optaram pelo uso da violência política e do terrorismo ao longo do século XIX, como os revolucionários russos que lutavam contra o czarismo entre os anos de 1878 e 1881, chegando a assassinar o czar Alexandre II. Também os radicais nacionalistas que possuíam objetivos separatistas e conotações revolucionárias, estiveram presentes na Irlanda, com ramificações nos Estados Unidos, e na Macedônia.

Outro grupo importante foi o dos anarquistas na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, que, com séries de ataques,  lograram  assassinar  agentes do Estado, como o Rei Humberto, da Itália, o Presidente estadunidense William McKinley, a imperatriz austríaca Elizabeth, e Francisco Ferdinando, o arquiduque austríaco, no evento que serviu de estopim para a Primeira Guerra Mundial.

Diferentemente do terrorismo estatal empregado na Revolução Francesa, o terrorismo no século XIX passa a ser empregado politicamente por grupos contra governos, grupos esses notadamente mais fracos e clandestinos. A perspectiva histórica que impulsiona tal terrorismo é destacada por Hoffman no “advento do nacionalismo, suas noções de estrutura de estado e cidadania baseada em uma identidade comum de povo” no estímulo de novos Estados-nação.

Ao mesmo tempo, “mudanças socioeconômicas provocadas pela Revolução Industrial estavam criando novas ideologias universalistas, como o comunismo/marxismo”, fazendo surgir o terrorismo contra o Estado.

Para Laqueur, os diferentes fenômenos de terrorismo, nos séculos XIX e XX, estavam ligados também ao fato do surgimento da democracia e do nacionalismo e com condições anteriormente aceitas transformadas em intoleráveis. Já para Hoffman, na década de 1930, o termo passou a ser como práticas de repressão em massa, empregadas por Estados totalitários e seus líderes ditadores contra seus próprios cidadãos. Dessa forma, introduzindo aos regimes stalinista na União Soviética, nazista na Alemanha e regimes militares na América Latina ao grupo dos terroristas.

O autor ressalta que no pós Segunda Guerra, há outra reviravolta, voltando à conotação revolucionária, que é mais associada ao terrorismo hoje. Os grupos nacionalistas e anticolonialistas que emergiram na Ásia, África e no Oriente Médio durante os anos de 1940 e 1950, e se opuseram à continuidade do governo europeu, utilizando táticas terroristas. Suas guerras de libertação foram discutidas em âmbito internacional, em especial nas Nações Unidas, para os países do Terceiro Mundo e pelo bloco soviético, não eram táticas terroristas por serem consideradas justas frente à opressão colonial. Vale lembrar que todos os atos terroristas cessaram quando das independências desses países, corroborando a luta pela libertação como justificativa para o uso de práticas terroristas para alcançar seus objetivos.

Nos anos 1960 e 1970, o terrorismo continuou a ser visto em um contexto revolucionário, mas agora expandido para incluir nacionalismo e grupos separatistas fora desse domínio colonial, com organizações radicais e ideologicamente motivadas.

Houve  também  o  terrorismo  em   contextos   específicos   para  uma   questão i nternacional, d e v i d o à i n f l u e n c i a externa e o envolvimento de diferentes estados. Nesse contexto, a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e o grupo fundamentalista Hamas são apontados como terroristas por Israel e Estados Unidos, e responsabilizados por ataques com homens-bomba nas zonas de conflito entre Israel e Palestina. Esses três grupos apontados como terroristas, sentaram-se à mesa com seus oponentes na tentativa de resolver questões políticas, reforçando o fenômeno do terrorismo como um instrumento para chegar ao fim político.

Os anos de 1980 foram marcados pela consolidação e aumento de casos desse terrorismo transnacional. Diante desse cenário, dois novos conceitos foram acrescentados ao debate, o narcoterrorismo, principalmente na Colômbia, e o “fenômeno de área cinza”, o começo do que era entendido como ameaças à estabilidade de Estados por atores não estatais e processos e organizações não governamentais, e as acusações dos EUA de financiamento ao terrorismo por parte de outros agentes estatais, levaram às sanções de Líbia, Sudão e Afeganistão, pelos ataques aos aviões da Pan Am e da UTA, a tentativa de assassinato de Hosni Mubarak e os atentados simultâneos nas embaixadas estadunidenses do Quênia e da Tanzânia estão conectados com tal “fenômeno cinza”.

Para Laqueur, a partir da década de 1990 cria-se um novo marco, um novo terrorismo, extremamente letal e ligado ao fanatismo religioso. Esses grupos de fanáticos religiosos estão modificando a percepção, na literatura, de que o terrorismo estaria menos conectado a ideais políticos, tornando cálculos racionais de custo e benefício menos restritos.

Nye Jr resume as diferenças entre o terrorismo dos anos 1970 e 1980 e o terrorismo que emerge a partir dos anos 1990 da seguinte forma: “se o primeiro era motivado por ideologias e nacionalismos, o terrorismo atual surge fundamentalmente associado a grupos religiosos extremistas”.

No entanto, é sempre bom frisar o perigo da associação entre terrorismo e religiosidade, pois muitas vezes, tem como objetivo associar atos terroristas à irracionalidade, podendo ter como efeito o esvaziamento da questão.

Nota-se que o significado de terrorismo está em constante mudança. Segundo o historiador Fred Halliday, muito dessa violência política vem sendo categorizada como terrorismo, agregando ao termo um peso tóxico, multidimensional e ultimamente indispensável. O uso da palavra e do conceito demanda extremo cuidado. Halliday frisa também que o terrorismo não é um problema regional do Oriente Médio ou religioso do Islamismo, pois ideologias e pensamentos podem se desenvolver em países de qualquer tamanho, riqueza, região, etnia, religião ou cultura.

Tornando-o um fenômeno político e moral distinto, claramente interconectado com questões de revoltas, oposição à opressão, influências e alianças nos bastidores, que fazem parte de desafios políticos e militares, desenhadas para forçar o inimigo a submeter-se, com a combinação de intimidação e morte.