Autocracias Digitais

As autocracias de hoje estão virando autocracias digitais, utilizando a tecnologia (Internet, rede social, IA: inteligência artificial) para se perpetuar no poder. Essas ferramentas digitais permitem que regimes autoritários vigiem mais pessoas com menos recursos. Lideradas pela China e pela Rússia, elas estão se aproveitando de um novo arsenal de ferramentas digitais para combater o que se tornou a ameaça mais significativa para o regime autoritário típico atual: a força física e humana dos protestos antigovernamentais em massa.

As duas principais táticas que estão sendo estudadas e testadas são : Microtargeting e Deepfakes. A primeira permitirá que as autocracias adaptem e personalizem o conteúdo para indivíduos específicos da sociedade, assim como o mundo comercial usa para anúncios. Já as deepfakes facilitarão o descrédito dos líderes de oposição para tornar cada vez mais difícil para o público saber o que é real.

As autocracias modernas tornaram-se mais duráveis e opressoras que suas antecessoras, inúmeros estudos e dados comprovam essa tese:

Segundo o Mass Mobilization Project, entre 2000 e 2017, 60% de todas as ditaduras enfrentaram pelo menos um protesto antigovernamental de 50 participantes ou mais. Embora a maioria delas tenham sido inofensivas.

Também nesse período, protestos derrubaram dez autocracias, ou 23% dos 44 regimes autoritários que caíram durante o período. Outros 19 regimes autoritários perderam o poder por meio de eleições. E embora houvesse quase o dobro de regimes derrubados por eleições do que por protestos, muitas das eleições haviam seguido campanhas de protesto em massa. Golpes derrotados em torno de nove por cento das ditaduras que caíram entre 2001 e 2017, enquanto movimentos de massa levaram à derrubada de duas vezes mais governos.

O aumento de protestos marca uma mudança significativa na política autoritária. Historicamente, golpes de elites e de militares representavam a maior ameaça às ditaduras. Entre 1946 e 2000, os golpes derrubaram cerca de um terço dos 198 regimes autoritários que entraram em colapso naquele período. Os protestos, por outro lado, perderam muito menos, respondendo por cerca de 16% desse total.

Dados compilados pela Freedom House revelam que, desde 2000, o número de restrições às liberdades políticas e civis aumentou. O Varieties of Democracy, que abrange 202 países, e o Mass Mobilization Project mostram que as autocracias que usam repressão digital enfrentam um risco menor de protestos do que os regimes autocráticos que não a usam.

E obviamente que repressão digital se transforma em repressão real. Ao facilitar o reconhecimento de oponentes e opositores, os regimes agem como bem entendem. Essas novas tecnologias não apenas facilitam a repressão dos críticos, mas também, beneficia a cooptação dos adeptos ao regime.

Com isso, a tendência é que as autocracias se espalhem pelo mundo, uma vez que estão mais fortes e duradouras, embora esse argumento ainda seja uma tese e não uma constatação.

Segundo a Freedom House, entre 2013 e 2018, três países passaram do status “parcialmente livres” para “livres” (Ilhas Salomão, Timor-Leste e Tunísia), enquanto sete fizeram o caminho inverso (República Dominicana, Hungria, Indonésia, Lesoto, Montenegro, Sérvia e Serra Leoa).

Outro ponto preocupante para o futuro é que não há muitos indícios de que mesmo os países democráticos usem essas tecnologias para fortalecer a liberdade. Além do escândalo da NSA exposto pelo Snowden, empresas governamentais e privadas de tecnologia estão se aliando e vendendo seus serviços para as autocracias.

Empresas israelenses e italianas venderam softwares de espionagem e coleta de informações para vários regimes autoritários em todo o mundo, incluindo Angola, Bahrain, Cazaquistão, Moçambique e Nicarágua. Enquanto empresas americanas exportaram tecnologia de reconhecimento facial para governos da Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

O futuro é incerto, nebuloso e tudo indica que países democráticos farão uso político dessas tecnologias para desestabilizar adversários estratégicos pouco importando as consequências desses vácuos de poder. Assim como está sendo feito o uso drones armados no lugar de pilotos, o uso geopolítico da IA aumenta a influência a custos cada vez menores.

 

https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2951762

https://massmobilization.github.io/

https://www.foreignaffairs.com/articles/china/2020-02-06/digital-dictators?utm_medium=newsletters&utm_source=fatoday&utm_content=20200206&utm_campaign=FA%20Today%20020620%20The%20Digital%20Dictators&utm_term=FA%20Today%20-%20112017

https://freedomhouse.org/

https://www.v-dem.net/en/