Me First, Me Last – A pandemia e o pretenso isolacionismo
Os grandes problemas que a humanidade enfrentará após a Covid19 não respeitam fronteiras e transpassam muros: aquecimento global, poluição do ar e dos mares, crise enérgica e cyberterrorismo. Sem união e cooperação, as nações sofrerão infinitamente mais. Esse tipo de problema transnacional lembra que todos são parte de uma mesma engrenagem, embora pobres e ricos sintam em proporções diferentes, todos são interdependentes e vulneráveis. Os “me First” estão com os dias contados…
A política externa excepcionalista norteamericana fica fragilizada quando a ameaça não respeita fronteiras e não pode ser coibida através do poder bélico como são as epidemias/pandemias, e que por sinal, tendem a ser cada vez mais frequentes. Além da maior conectividade entre os povos e o avanço tecnológico que permite maiores distancias sendo cobertas em tempos mais curtos, a própria dinâmica do capitalismo vai fazer (como vem fazendo) que esses cenários surjam com maior frequência.
Cada vez mais áreas intocadas ao redor do planeta vão sendo usadas para fins econômicos e de moradia, vírus anteriormente desconhecidos entram em contato com novas populações e animais selvagens. O homem passa a utilizar esses animais para alimentação, uso médico, de transporte, entre outros, construindo novas cadeias globais de mercadorias de bens “selvagens”. Esse processo altera o meio ambiente e modifica a interface entre o humano e o não humano, gerando grandes confusões nos ecossistemas locais.
Trump costuma alegar que ele é “o presidente dos Estados Unidos, não o presidente de outros”, e que “temos que nos concentrar neste país” enquanto “eles estão trabalhando nos seus países”. Sua abordagem ignora o fato de que não derrotar a pandemia no exterior prejudica a capacidade interna de controlá-la.
Em fevereiro deste ano, enquanto a Covid19 já estava se espalhando na China e região, o governo propôs cortar em 21% os programas de ajuda externa dos EUA para o ano fiscal de 2021. Os cortes incluíram 35% do financiamento para programas globais de saúde, no valor de cerca de US $ 3 bilhões e abrangendo uma redução de 50% no apoio dos EUA à Organização Mundial da Saúde (OMS).
Recentemente, o governo cortou ajudas financeiras ao Iêmen, Palestina e reduziu drasticamente ao Afeganistão. Países que fazem fronteira com dois de seus principais aliados no exterior (Arábia Saudita e Israel) e um aliado chave (Paquistão). Uma crise na saúde dessa proporção pode desencadear uma serie de problemas e distúrbios sociais, e considerando o já frágil Oriente Médio, torna-se um caldeirão de tensões e imprevisibilidade.
A visão do isolacionismo é fantasiosa. Mesmo que os Estados Unidos se fechem a nacionais de grandes partes da Ásia, África e Oriente Médio, pessoas vão se refugiar ou apenas ir e vir dessas regiões para o México e o Canada, por exemplo. A opção de se fechar ainda mais se torna mais cara do que a da ajuda e trabalho com organismos internacionais para o combate conjunto ao vírus.
A pandemia de Coronavírus é uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Seus próprios líderes já se referiram a ela como “maior crise desde Pearl Harbor” e o governo já adotou medidas literalmente de guerra, comparando o cenário de hoje com a Segunda Grande Guerra.
Em setembro de 2019, Trump disse na ONU: “o futuro não pertence aos globalistas (…) O futuro pertence aos países soberanos e independentes que protegem seus cidadãos, respeitam seus vizinhos e honram as diferenças que tornam cada país especial e único.” Hoje, esse mesmo país soberbo, com seu sistema de saúde colapsado, está recebendo ajuda humanitária da Rússia, seu inimigo histórico. A visão de mundo isolacionista e pretensamente superior está na lista das vítimas fatais do vírus.