Pandemia e o Século Asiático
Economia e fluxos financeiros de 2020
O Banco Mundial estima que 2020 representa a maior recessão desde a Segunda Guerra Mundial e o maior número de países enfrentando declínios de produção per capita desde 1870. A pandemia estimulou e evidenciou algo que já vinha acontecendo nos últimos anos: aumento do protecionismo.
A globalização não será retomada depois que o vírus deixar de ser uma ameaça mundial, os dilemas deixados para o comércio desde a crise de 2008 são complexos demais para serem ignorados por discursos otimistas de um próspero novo mundo.
O crescimento do comércio mundial depende fundamentalmente de harmonia, mas o acirramento geopolítico do “ocidente” e do “oriente” eleva a desconfiança mútua para níveis irreversíveis.
A estrutura das economias asiáticas liderada por Rússia e China é totalmente diferente da estadunidense e da europeia, o domínio de bancos estatais, principalmente nesses dois países faz com que o setor privado esteja sempre ligado e influenciado por medidas dos partidos que dominam o jogo político.
Cenário pandêmico
O Banco Mundial espera uma retração de 5,2% na economia mundial em 2020. Segundo um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), os países desenvolvidos vão sofrer uma queda média de 8% enquanto os países em desenvolvimento terão uma queda de 3%. O cenário para 2021 é de crescimento de 5,4% no mundo, e novamente os países em desenvolvimento se sairão melhor, com crescimento de 5,9% contra 4,8% dos desenvolvidos.
No segundo trimestre, a China teve um crescimento de 11,5%, causando o conceito chamado de crescimento em “V”, que nada mais é quando ele vem na mesma proporção da queda no período anterior. A Índia, que vinha numa constante até maior que a China nos últimos anos, teve um crescimento de 0,7%.
Ao todo, apenas 30 economias devem crescer esse ano em todo o mundo, dentre elas, uma das Américas, uma da Europa, oito asiáticas, e as restantes africanas.
Ao contrário das economias africanas que são extremamente fragilizadas e pouco conectadas ao comércio global, as asiáticas despontam como altamente interconectadas e tecnológicas, o que para muitos demonstram o inicio do chamado Século Asiático.
Século Asiático
A pandemia deve ser o grande marco temporal que inicia o domínio geopolítico da Ásia, puxado por China, Índia, Japão, Coreia do Sul, Rússia e Indonésia. De acordo com o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), a parcela asiática no PIB global deve chegar a 52% até 2050 (Kohli, 2011) e a participação do comércio intrarregional da Ásia foi de quase 60% em 2018, para dar uma noção do fortalecimento interno, o Mercosul tem por volta de 12% e os países da América Latina e o Caribe chegam a 16%.
Vem da Ásia também o maior projeto de desenvolvimento mundial, a chamada em português de Nova Rota da Seda. Ao todo, a China deve investir mais de US$ 1 trilhão de dólares em projetos de infraestrutura em locais estratégicos para o escoamento de suas exportações.
Há uma visão geoestratégica para além da questão econômica, Pequim tem negociado bilateralmente os acordos para que apenas moedas locais entrem nos projetos, fazendo com que o Renminbi seja cada vez mais forte e “internacionalizável” ao mesmo tempo em que torna o dólar menos comercializável pouco a pouco, um ataque no coração da estrutura econômica dos EUA.
Para além da discussão econômica, há quem diga que as diferenças históricas internas entre os povos-civilizações do continente sejam os grandes enclaves do Século Asiático, mas esse assunto fica para uma outra abordagem.
Diálogo Quadrilateral de Segurança
O Diálogo Quadrilateral de Segurança (Quad) ainda é somente um fórum informal com algumas cúpulas que reúne EUA, Índia, Austrália e Japão. Iniciado em 2017, depois da retirada dos EUA da Parceria Transpacífica por parte do governo Trump, o grupo foi formado basicamente para conter o expansionismo chinês, já em seu primeiro diálogo houve conjuntamente exercícios militares entre as nações.
Assim como a Nova Rota da Seda, o Quad também enfrenta problemas internos de visões divergentes. Os EUA visam frear o crescimento chinês, Austrália e Japão se preocupam com o expansionismo militar marítimo do Império do Meio no seu mar do sul e do leste, a Índia tenta se colocar para o ocidente como grande economia asiática alternativa, mas historicamente o país se posiciona como “não-alinhado” e sabe jogar muito bem com seus interesses próprios.
Embora os setores militares, de segurança, de tecnologia e de inteligência gerem grandes receitas, dificilmente grandes acordos comerciais sairão desse bloco. Os quatro países possuem prioridades internas e estão em momentos de protecionismo.
A política de “America First” de Trump não combina com investimentos no exterior, nem parece ser a tônica da política externa dos Democratas. E se não vier da maior potencia do bloco e do mundo, de onde sairia esse dinheiro?
Conclusão
O ano de 2020 é um ano dado como morto para o comércio global, permitindo aos países apenas estudar caminhos para se recuperar desse duro golpe no futuro. Essas projeções passam obrigatoriamente por China e pela Ásia como um todo.
A atual transição de poder mundial da América e da Europa para a Ásia-Pacífico tem implicações significativas para a grande maioria dos países. A incerteza sobre o futuro da política, das normas e das instituições multilaterais afetam todos os membros da comunidade internacional.
Embora seja interessante para os donos do poder a narrativa ideológica, o que está em jogo é a forma e a natureza de toda ordem vigente e a segurança nacional de cada país com pretensão de ser ou de se manter como potência.
A melhor maneira de lidar com a ascensão da China não é bloqueá-la, mas trabalhar inseri-la nos novos arranjos políticos e econômicos que surgirão no futuro.
Referências
Kharas, H. & Kohli, HA (nd). “Ásia na economia global em 2050: o século asiático.” Ásia 2050: Realizando o Século Asiático, 43-50. doi: 10.4135 / 9781446270349.n5
https://asia.nikkei.com/Economy/Emerging-Asia-set-for-1st-recession-in-six-decades-says-ADB
https://www.adb.org/sites/default/files/publication/536691/aeir-2019-2020.pdf