Trumpismo
O trecho inicial, que discorre sobre a separação das correntes internas do partido republicano é do Professor Carlos Poggio, não deixem de ler na íntegra essa interessante genealogia que está nas referências no final do texto e foi publicado pelo Estadão Artes.
Desde os anos 80 há uma disputa no conservadorismo, um debate entre neoconservadores e paleoconservadores. Os neoconservadores foram incorporados ao movimento conservador americano a partir da década de 1970, quando um grupo de intelectuais ex-Trotskystas e que até então tinham simpatia pelo Partido Democrata, decidem apoiar a candidatura do Republicano Richard Nixon contra George McGovern, que era visto como uma nova esquerda pós-1968. Esses intelectuais recém-convertidos ao conservadorismo, a maior parte baseados em Nova York e de origem judaica.
Eles defendiam uma postura ativa dos Estados Unidos em política externa no combate ao comunismo, e a promoção ativa da democracia ao redor do globo via intervenção militar, se necessário. Não demorou muito para os urbanos neoconservadores entrarem em confronto direto com um grupo de conservadores majoritariamente interioranos, sulistas e católicos, que eram mais próximos dos tradicionalistas, mas que lembravam mais a direita americana pré-1950, dado o seu caráter fortemente isolacionista e populista. Ao contrário do secularismo dos neoconservadores, para esse grupo, de matiz mais religiosa, conservadorismo e cristianismo eram inseparáveis.
Como que para marcar a sua oposição aos neoconservadores, ficaram conhecidos pela alcunha de paleoconservadores. Ao longo do tempo, os paleoconservadores, por outro lado, permaneceram em grande medida irrelevantes e marginalizados, nos anos 90, Pat Buchanan, que concorreu nas primárias contra Bush pai era dessa linha de pensamento e trouxe novamente para o debate essa outra forma de ver e pensar o mundo. Sempre foi crítico de guerras que seu país patrocinava e/ou participava. Suas bandeiras eram nacionalismo, isolacionismo, protecionismo econômico, combate ao multiculturalismo, defesa de valores tradicionais e, principalmente, uma postura fortemente anti-imigração. E seu slogan, PASMEM: America First.
Essas duas visões de mundo conservadores se chocam em sua raiz, e o trumpismo trouxe mais forte do que nunca a visão que sempre esteve marginalizada, muito por conta do estrondoso sucesso econômico estadunidense, o que não é mais o caso. A crítica à globalização em um país que não mais se beneficiava dela era tudo o que essa visão de mundo precisava. Ainda que Trump tenha perdido, ele obteve a segunda maior votação da historia, e outro ponto muito importante, é que seu eleitorado votou nele por convicção, por concordar com ele, não por exclusão como foi o caso de Biden, quem votou Biden não o fez por “amor a camisa” como falamos no Brasil, e isso pode ser crucial para uma onda vermelha nas eleições de 2022 e 2024.
O trumpsimo está mais forte do que nunca, momentaneamente o partido republicano está rachado e essas duas correntes vão lutar internamente para ver quem leva. Há quem diga que a força de Trump é tamanha que ele pode criar um partido, mas sua idade e o vácuo de poder que ele deixará podem ser os grandes impasses, já que nem seus filhos conseguem atrair para si essa nova demanda eleitoral.
Outro ponto de vista interessante é o do Ramin Mazaheri, jornalista da Press TV e colunista do site The Saker. Ele diz que a força do trumpismo vem de uma ideia que realmente propõe algo novo. Para ele, democratas e republicanos representam o mesmo projeto do 1% mais rico contra os 99%. Um partido diminui um pouco mais impostos, o outro sugere um pouco mais de saúde gratuita e fim, ambos estão atolados na máquina da guerra imperial e da corrupção endêmica de Washington.
Ramim chama esse mecanismo de duopólio, e alega que a máquina agiu pesadamente para tirar Trump da jogada já que ele não representa em muitos aspectos esse projeto de poder instaurado em todas as esferas do governo e das agências que o permeia.
Por fim, ele diz que a polarização vai continuar igual mesmo sem Trump na presidência, afinal, a insatisfação de metade do país permanecerá intacta e a outra metade não entendendo o contexto vai continuar a chamá-los de racistas e xenofóbicos sem analisar friamente o que acontece com a parte do país que não apoia a globalização, guerras no exterior e pautas identitárias como prioridade. Trump obteve muito mais votos de negros e latinos agora do que em 2016, há de se fazer um estudo científico profundo e menos comentários adjetivistas.
E por fim, uma coluna do jornalista independente Pepe Escobar, que lembra que Trump obteve mais de 71 milhões de votos e lembra de um ensaio de Alastair Crooke, ex diplomata britânico, que chamou o cenário de “América Vermelha de Trump”. Para Pepe, se os republicanos ignorarem as pautas trompistas, vão cometer o seppuku, o clássico suicídio samurai.
Crooke em seu ensaio faz um paralelo da Roma Antiga com os EUA de hoje: “Foi um novo mundo, com os grandes proprietários de terra e seus latifúndios [fonte de riqueza, sob trabalho escravo], no qual os ‘Grandes Homens’ que lideravam as diferentes facções nas guerras civis tornaram-se poderosos senadores que dominaram a vida romana pelos cinco séculos seguintes – enquanto o Povo, os populares, foi contido como elemento passivo – não indefeso – mas de modo geral dependente e não participante da governança romana: Assim se esvaziou a criatividade da vida de Roma, o que acabou por levar à desintegração.”
E Pepe completa com : “O Ocidente, especialmente a Roma norte-americana está à beira de duplo precipício: a pior depressão econômica de todos os tempos, combinada com explosões iminentes, incontáveis, incontroláveis, de fúria dos cidadãos.”
https://estadodaarte.estadao.com.br/conservadorismos-da-america-de-trump-ao-brasil-de-bolsonaro/
https://asiatimes.com/2020/11/first-comes-a-rolling-civil-war/
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