Ep 04: Irã – Potencialidade e Sanções – por Luis Rutledge

No atual cenário energético, um país que está posicionado entre os quatro maiores produtores de óleo e gás do planeta deveria ser cortejado para aliviar os problemas de suprimento mundial e, em especial, da União Europeia. No entanto, o maior produtor de gás natural do Oriente Médio se vê engessado por sanções comerciais que o impedem de uma maior participação no mercado global de petróleo.

A indústria petrolífera do Irã possui números vultosos. Apesar de grande parte de suas exportações serem direcionadas ao mercado chinês, um afrouxamento das sanções adicionaria no mercado global entre 500 mil a 1 milhão de barris por dia de petróleo iraniano. Em consequência disso, observaríamos um natural alívio em parte das demandas internacionais de óleo, extremamente prejudicadas após os conflitos no território ucraniano.

Até o fechamento desta coluna, as tratativas diplomáticas permaneciam em curso para as exportações de gás natural iraniano para a Europa. Embora o Irã seja considerado uma potência energética, o desenvolvimento da diplomacia energética e expansão do mercado dependem de um entendimento direto entre Washington e Teerã. As sanções mais rígidas, impostas em 2018, restringiram ainda mais as relações comerciais entre Irã e o resto do mundo. A invasão da Ucrânia pela Rússia, tendo como elemento central o fornecimento energético, seria um caminho forçado para acordos menos rígidos em relação aos iranianos.

Cenário Energético

Os dados mais recentes disponibilizados pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) indicam que a produção de petróleo gira em torno de 3,6 milhões de barris/dia. Antes das sanções comerciais, o Irã produzia 3,8 milhões de barris/dia. Segundo Javad Owji, ministro do Petróleo do Irã, o consumo interno é de 2,2 milhões de barris/dia e capacidade de exportação de 1 bilhão de barris que são produzidos em excesso. Atualmente, a capacidade de produção está muito abaixo de Arábia Saudita, Rússia e EUA, que fecharam o ano de 2021 com valores acima de 10 milhões de barris por dia. No entanto, os números de produção do Irã são expressivos se forem consideradas a pouca amplitude comercial e investimento privado insuficiente nos campos existentes, Figura 1.

A maioria dos campos de petróleo e os oleodutos estão localizados no lado oeste do país. O triângulo formado por Kermanshah, Teerã e Bandar Abbas compreende os grandes campos de petróleo em produção, que se somam aos reservatórios offshore localizados no Golfo Pérsico, Figura 2.

 

Figura 1 – Produção de Petróleo
Fonte: Bp Energy outlook 2022

Figura 2 – Reservatórios de Óleo e Gás do Irã
Fonte: IRAN Oil & Gas Resources

Em 2022, os percentuais de exportação para países compradores de petróleo iraniano devem permanecer próximos aos números de 2020, quando China e Malásia dominavam as rotas de exportações, Figura 3.

Figura 3 – Exportações de petróleo iraniano por destino, 2020
Fonte: U.S. Energy Information Administration

A produção de gás natural do Irã tem crescido consideravelmente ao longo dos últimos anos, atingindo em 2021 valores acima de 250 bilhões de metros cúbicos. Mesmo com sanções internacionais que impedem um maior avanço do Irã no mercado externo, o governo de Ebrahim Raisi não mediu esforços para um crescimento de produção nas últimas duas décadas e, atualmente, parte desta produção abastece a demanda interna total por gás natural, Figura 4.

O planejamento da União Europeia em substituir o gás russo em sua totalidade somente será possível com múltiplos suppliers de gás natural ao longo dos próximos anos. Entretanto, existe a possibilidade de substituir ainda este ano dois terços do total de gás russo importado. E possíveis acordos com o Irã facilitariam a gradual eliminação de combustíveis fósseis russos.

O Irã exporta gás natural por gasoduto, principalmente, para a Turquia, Armênia, Azerbaijão e Iraque. Em 2021, o Irã exportou 17,3 bilhões de metros cúbicos, valores baixos quando comparados com os 201,7 bilhões de metros cúbicos exportados pelos russos via gasodutos. Desde 2014, novos projetos que entraram em execução viabilizaram aumentos substanciais nas produções ano após ano. O principal projeto é direcionado ao campo South Pars/North Dome, um campo de condensado de gás natural e o maior campo de gás do mundo, localizado no Golfo Pérsico. Com produção de gás iniciada em 2002 e com alta desenvolvimento até o presente ano, este campo de gás possui 9700 quilômetros quadrados, sendo 3700 em águas iranianas (South Pars) e 6000 quilômetros quadrados em águas do Catar (North Dome). South Pars é o grande responsável pelo potencial energético do Irã nos últimos 15 anos.

Figura 4 – Produção de Gás Natural
Fonte: Bp Energy outlook 2022

Cenário Geopolítico

Quando estamos tratando do mercado internacional de óleo e gás natural, devemos analisar as implicações encobertas nos acordos comerciais. Ainda um país com sérias restrições, o Irã está ampliando suas exportações de petróleo para seu maior cliente, a China. Mesmo após a crescente disparada dos preços internacionais do barril, os chineses permanecem fiéis às grandes importações de óleo russo, mas estão optando por uma maior participação iraniana em seu suprimento. Os antigos persas, grande aliado estratégico num mundo de polarização geopolítica crescente, permitem através desta relação comercial um canal direto entre o mundo islâmico e a China.

Em 2012, a China iniciou sua estratégia geopolítica de pouco a pouco aprofundar sua influência no Oriente Médio e colocar em prática a da Iniciativa Cinturão e Rota da China, aplicando investimentos e desenvolvimento em mais de 100 países. Na época, a estratégia chinesa se iniciou com investimentos no desenvolvimento de duas jazidas no Irã, aplicando 20 bilhões de dólares para produzir 70 mil barris por dia. Recentemente, em 2021, Irã e China fecharam um grande acordo comercial com investimento de Pequim de US$ 400 bilhões ao longo de 25 anos em setores de saúde, tecnologia, portos e ferrovias em troca do fornecimento regular de petróleo durante este tempo. Por baixo desta aliança, está uma crescente presença chinesa no Oriente Médio, um aprofundamento da cooperação militar com treinamentos e exercícios conjuntos e um enfraquecimento do isolamento iraniano imposto por Washington. Vale ressaltar, que a Chancelaria chinesa realizou visitas estratégicas a Arábia Saudita e Turquia. Sendo Irã e Arábia Saudita países adversários de longa data, torna-se fácil identificar o uso estratégico da chinesa visando maior amplitude política no Oriente Médio.

Outro importante movimento na interna geopolítica do Oriente Médio trata do recente acordo, em maio deste ano, entre Irã e Omã, visando o desenvolvimento de um campo de petróleo no Golfo Pérsico. O campo de Hengam, será produzido conjuntamente entre os dois países e, mais importante, possui reservas provadas de gás natural.

A neutralidade de Omã em conflitos de seus vizinhos de Oriente Médio permite um bom trânsito diplomático com Irã e Arábia Saudita. O país do presidente iraniano Ebrahim Raisi visa, além de maior poder energético, um crescimento geopolítico entre seus pares, que se refletirá no contexto global.

A geopolítica do Oriente Médio ganharia alguns contornos se algumas ações se concretizarem nos próximos meses. Conversações entre os governos dos EUA e saudita estão em curso para que sejam colocados mais barris no mercado e aliviar os preços. Alguns analistas acreditam que Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita sejam os únicos países do Oriente Médio com infraestrutura para maior produção global e repor num longo prazo parte do fornecimento da Rússia. O que poderia acontecer de imediato em caso de maior produção de petróleo seria uma queda do preço do barril no mercado global.

Vale lembrar, Omã e Irã são também grandes produtores de petróleo, sendo o Irã membro da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e Omã membro da OPEP +.

 

Referências

  • British Petroleum Statistical Review of World Energy 2022 71°edition

 

*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ, especializando-se em geopolítica energética. Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico. Pós-graduando em Relações Internacionais pelo IBMEC. Possui 16 anos de experiência em Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento entre a UFRJ e o CENPES/PETROBRAS. Analista de geopolítica energética e colunista do site MenteMundo Relações Internacionais, assina colunas de petróleo, gás e energia. Contato : rutledge@eq.ufrj.br

 

 

 

 

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