Diplomacia do Bambu: A política externa vietnamita

Em 1986, o Vietnã adotou a política reformista chamada de Doi Moi, nenhum setor foi poupado dessa mudança de rumo do país. O processo levou a um sucesso notável em todos os setores socioeconômicos, e a política externa não ficou de fora dessa nova fase. O país necessitava de novas alianças internacionais e investimentos que pudessem impulsionar a economia interna, e com isso, veio a questão sobre como agir e pensar em relação ao novo momento que o Hanói atravessava.

Em momentos como esse é comum que as nações sejam obrigadas a olhar para seu passado em busca de alguns eventos e figuras históricas que possam unificar a população e dar coesão ao novo sistema proposto. Com o Vietnã não foi diferente, a vida, o pensamento e os escritos de Ho Chi Minh foram os grandes fios condutores com essa capacidade de criar laços com os diversos setores da sociedade.

A “Diplomacia do Bambu” surge como base teórica que alicerça o que os formuladores de política externa começam a arquitetar como o ideal para que Hanói prospere no cenário internacional. É difícil datar a origem do termo, ele pode ser encontrado como chinês através da “Diplomacia do Panda” que o país se utiliza, mas também pode ser visto em outros países do sudeste asiático que usam do mesmo nome, como a Tailândia por exemplo.

A imagem do bambu está enraizada na cultura asiática. Por exemplo, a política externa da Tailândia se refere ao termo assemelhando-o ao “curvar com o vento” sem se quebrar, o que é visto através de sua história, marcada por alinhamento com grandes potencias em troca de sua manutenção territorial. Enquanto que para o Vietnã, significa lutar para permanecer independente e equidistante em relação a todas as grandes potências, maximizando os ganhos enquanto se protege contra incertezas estratégicas.

Fato é que o país tem conseguido alinhar teoria e prática exemplarmente, os escritos de Ho Chi Minh são explorados por insights diplomáticos e sua ênfase em relações harmoniosas, humanitarismo, flexibilidade, autoconfiança e independência nacional o que combina perfeitamente com a corrente teórica.

Em outras palavras, a política externa do Vietnã, embora determinada a preservar os interesses nacionais, a independência e a autoconfiança, ela também pode ser “flexível em estratégia e tática” ao lidar com as várias mudanças e convulsões que o país possa vir a enfrentar. O que pode ser traduzida em uma frase Ho Chi Minh dizia: “firme em princípio, miríade de aplicações”, ou seja, ser firme, forte, macio e flexível ao mesmo tempo.

Na prática os vietnamitas aplicam a Diplomacia do Bambu no cenário geopolítico mundial se mantendo equidistantes e mutuamente dependentes de todas as grandes potências sem se inclinar para nenhum lado ao mesmo tempo em que reforçam sua interdependência participando de mais de 15 acordos comerciais bilaterais ou multilaterais desde os anos 90.

Essa filosofia, aos olhos dos formuladores de políticas vietnamitas, atende melhor aos interesses do país em meio ao cenário geopolítico em mudança na Ásia, decorrente da ascensão da China, do conflito EUA-China e as disputas no Mar da China.

Hanoi adota posturas semelhantes mesmo com essa profusão de instabilidades, calcada em sua política dos “quatro nãos”, que vem do seu Livro Branco de Defesa de 2019, ou seja, sem alianças militares, sem tomar partido, sem permissão para bases militares estrangeiras e sem uso de força nas Relações Internacionais.

A guerra Rússia-Ucrânia é um bom teste para essa abordagem, uma vez que Hanói tem relações comerciais e históricas com ambos e o público interno está dividido sobre o conflito. Oficialmente, o país segue enfatizando a necessidade de todas as partes defenderem o Direito Internacional e a Carta da ONU se recusando a sancionar Moscou.

A relação com a China também é outro bom exemplo de como a teoria funciona. O Vietnã adotou uma dupla posição estratégica em relação à China: vê Pequim como um parceiro econômico e de segurança indispensável e, simultaneamente, procura se proteger contra a possível invasão territorial, reforçando gradualmente suas Forças Armadas e forjando cautelosamente laços estratégicos com outras potências.

São duas variáveis importantes nesse cálculo: a geográfica e histórica de um lado e a política da China para a região e as mudanças nas relações de poder globais do outro. Elas ajudam a entender os motivos de Hanói para não entrar em alianças com potencialidades militares como o AUKUS e o QUAD, mesmo subindo o tom frequentemente em relação às disputas marítimas e territoriais com Pequim.

Aceitação Acadêmica

O fervor acadêmico contemporâneo no desenvolvimento de uma “escola de diplomacia de Ho Chi Minh” sugere que a Diplomacia do Bambu pode vir a fazer parte de um novo “Doi Moi internacional”, ou seja, identidade vietnamita renovada que é decididamente mais flexível e menos ideológica em suas relações externas, focar nas analogias do bambu como uma ferramenta de soft-power.

O chefe do partido comunista do Vietnã, Nguyen Phu Trong, colocou eloquentemente na primeira conferência nacional de Relações Exteriores do país agora em dezembro de 2021 a seguinte frase:

“Nos últimos 90 anos, sob a liderança do Partido e do Presidente Ho Chi Minh, com base na aplicação criativa dos princípios fundamentais do marxismo-leninismo, herdando e construindo sobre as tradições e o caráter nacional das relações exteriores, diplomacia e cultura, e aprendendo seletivamente com a quintessência da cultura mundial e as filosofias progressistas da época, construímos uma escola excepcional e única de relações exteriores e diplomacia da era Ho Chi Minh, com o caráter do bambu vietnamita.

Como o bambu com raízes fortes, caules sólidos e galhos flexíveis, a diplomacia vietnamita é suave e inteligente, mas ainda persistente e resoluta; flexível e criativo, mas consistente, valente e resiliente contra todos os desafios e dificuldades para a independência nacional e da felicidade do povo; unida e humanitária, mas resoluta, persistente e paciente na salvaguarda dos interesses nacionais.”

Em um artigo para o partido, um coronel vietnamita e professor universitário de Direito escreveu sobre a importância dos “quatro nãos” e como esse conceito ajuda na manutenção da paz regionalmente, após citar a guerra da Ucrânia e outros eventos, ele termina com o seguinte parágrafo:

“Um país que deseja ter paz e desenvolvimento deve manter sua independência, autoconfiança, não ser dependente de nenhum país, não ser aliado de um país para lutar contra outro, e não tomar ações que afetem sua segurança. Considerar todos os países como parceiros, e saber que é perigoso  criar tensão com determinados países. Portanto, nas relações com outros países, especialmente os países vizinhos, nosso Partido, Estado e Povo sempre mantêm a relação de amizade, cooperação para o desenvolvimento mútuo, e não permitem que colisões e colisões aconteçam. afetem o ambiente de desenvolvimento pacífico do país.”

O embaixador vietnamita na Federação Russa Dang Minh Khoi disse: “Em minha opinião, a declaração do secretário-geral é que nossa diplomacia deve refletir a identidade, a cultura e o caráter do povo, da nação e da cultura vietnamita em qualquer situação. Independentemente das circunstâncias, sempre seguiremos nosso caminho”,

O embaixador do Vietnã na Malásia, Tran Viet Thai, disse durante a Conferência: “O secretário-geral disse uma vez uma frase que nos emociona muito: ‘Atrás dos diplomatas está todo o partido, todo o povo e o exército, todo o sistema político’. As raízes de bambu entrelaçadas implicam solidariedade, implicando que ministérios e unidades externas devem se unir e cooperar bem uns com os outros”.
Vu Khoan, ex-vice-primeiro-ministro e diplomata vietnamita sênior, coloca sucintamente que: “quanto mais laços interdependentes pudermos cultivar, mais fácil poderemos manter nossa independência e autoconfiança, como um bambu de marfim que facilmente caem sozinhos, mas crescem firmemente em grupos”.

Conclusão

Com a atual ascensão geopolítica da Ásia, as comunidades de Relações Internacionais da China, Japão, Índia  e Vietnã tentam desenvolver abordagens teóricas “indígenas” que causam debates acadêmicos acalorados. a literatura poder-conhecimento deve ser ampliada para responder à crescente multiplicidade da ordem mundial e ao apelo à diversidade do conhecimento das Relações Internacionais.

A resiliência e a crescente liderança do Vietnã na região se devem a seus valores culturais de espiritualidade, primazia dos relacionamentos e o amor pela liberdade, como o bambu, o Vietnã foi forçado a se curvar no século XX, mas suas raízes são tão profundas que não quebrariam, e agora, neste novo século, estão de pé.

Desenvolver essa perspectiva de RI vietnamita além de ser uma ótima fonte de soft power para Hanoi também inspira o Sul Global e ajuda a enriquecer os debates acerca das novas correntes da área que contemplem as potências médias e os países marginalizados pela academia que sempre foi feita no “Centro” do mundo.
Referências

https://dangcongsan.vn/bao-ve-nen-tang-tu-tuong-cua-dang/dau-tranh-phan-bac-cac-luan-dieu-sai-trai-ve-chinh-sach-quoc-phong-bon-khong-609792.html

https://vov.vn/chinh-tri/cac-dai-su-noi-gi-ve-truong-phai-ngoai-giao-cay-tre-viet-nam-post912047.vov

https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/18681034221081146

What’s Behind Vietnam’s ‘Bamboo Diplomacy’ Discourse?