Política Externa da Indonésia: ativa e independente

Hatta

Os princípios da política externa da Indonésia foram expostos pela primeira vez por Mohammad Hatta em 2 de setembro de 1948 “Nós, indonésios, na luta pela liberdade do nosso povo e do nosso país, só tem que escolher entre a Rússia e a América? Não há outra posição que possamos tomar na busca de nossos ideais?”. E completa: “O Governo é da firme opinião de que a melhor política a adotar é aquela que não nos torna objeto de um conflito internacional. Pelo contrário, devemos continuar sendo o sujeito que se reserva o direito de decidir nosso próprio destino e lutar por nosso próprio objetivo, que é a independência de toda a Indonésia”. Ele também é chamado de “o proclamador”.

Dr.Muhammad Hatta nasceu em Bukittinggi em 12 de agosto de 1902. Ainda na escola se juntou à Liga em Young Sumatrans, depois foi para a Holanda e fez doutorado em economia. Em sua estada foi presidente da Perhimpunan Indonesia (União Indonésia), um grupo nacionalista e progressista fundado por estudantes indonésios no exterior. Em 1923, retornou à Indonésia e se juntou-se a uma organização política que tinha como objetivo desenvolver a consciência política entre o povo indonésio. Suas atividades levaram à sua prisão, não pela primeira vez,mas dessa vez rendeu também o exílio.

Hatta foi preso por suas atividades políticas pelos holandeses em 1934 e enviado para o infame campo de concentração de Boven Digul na Nova Guiné Ocidental. Em 1935 foi exilado na ilha de Bandanaira, onde permaneceu até as vésperas da invasão japonesa na Segunda Guerra Mundial .
Hatta e Sukarno  (futuro presidente da Indonésia), foram lideres  de numerosas organizações de massa, em 1943 ajudaram a organizar o Corpo de Defesa Nacional, a primeira força armada do país) patrocinado pelos japoneses, que apoiaram independências locais para enfraquecer o domínio europeu na região. Quando ficou claro que os japoneses perderiam a guerra, muitos nacionalistas pediram uma insurreição e independência imediata, mas Hatta aconselhou paciência até que tivessem certeza de que os japoneses se renderiam.

Em 17 de agosto de 1945, ele e Sukarno foram sequestrados por membros do sindicato dos estudantes e persuadidos a declarar a independência da Indonésia. Hatta serviu como vice-presidente no governo revolucionário subsequente. Em 1948, quando era primeiro-ministro, desempenhou um papel importante na repressão de uma revolta comunista no leste de Java que visava modificar o regime , uma medida que rendeu muitos apoiadores do governo nos países ocidentais. Enquanto serviu como primeiro-ministro durante os primeiros sete meses de 1950, ele ajudou a guiar o novo país através de um período crucial de transição de um estado federal para um estado unificado. Um dos principais economistas do país, ele é conhecido como o “pai do movimento cooperativo indonésio”, escreveu diversos livros sobre o tema.

Atuou como vice-presidente até dezembro de 1956, quando renunciou devido ao crescente desacordo com a política econômica de “democracia guiada” do presidente Sukarno, alegava que ela era muito antiocidental e antimalásia. Após a queda de Sukarno, Hatta saiu da aposentadoria para servir como conselheiro especial do presidente Suharto sobre o problema da corrupção do governo.

Documento Oficial

A embaixada do país diz o seguinte sobre a política externa: “A declaração acima foi uma indicação da “média dourada” que a Indonésia teria nas relações internacionais, que mais tarde ficaram conhecidas como “remando entre dois recifes”. Esses princípios são a base da política externa da Indonésia, que é independente e ativa. A política é independente porque a Indonésia não está do lado das potências mundiais. Por uma questão de princípio, fazer isso seria incompatível com a filosofia e identidade nacional do país.

A política externa é ativa na medida em que a Indonésia não mantém uma posição passiva ou reativa em questões internacionais, mas busca uma participação ativa em sua solução. Em outras palavras, a política independente e ativa da Indonésia não é uma política neutra, mas é aquela que não alinha a Indonésia com as superpotências nem vincula o país a nenhum pacto militar. Essencialmente, é uma política projetada para servir ao interesse nacional e, ao mesmo tempo, permitir que a Indonésia coopere com outras nações para abolir o colonialismo e o imperialismo em todas as suas formas e manifestações em prol da paz mundial e da justiça social. Isso explica por que a Indonésia foi um dos membros fundadores do Movimento dos Não-Alinhados.

O papel da Indonésia na resolução de problemas internacionais, particularmente aqueles que ameaçam a paz e são contrários à justiça e à humanidade, deve ser continuado e intensificado no espírito dos Dez Princípios de Bandung. A fim de ajudar no estabelecimento de uma Nova Ordem Mundial, baseada na liberdade, paz duradoura e justiça social, maiores esforços devem ser feitos para fortalecer a solidariedade e desenvolver uma posição comum e cooperação entre as nações em desenvolvimento por meio de várias organizações internacionais, como as Nações Unidas Nações, ASEAN, o Movimento Não-Alinhado, a Organização da Conferência Islâmica, etc.”

Política Externa

Após as turbulências da independência, as relações exteriores da Indonésia sofreram com os cenários internos e externos. Logo foi percebido que não funcionaria seguir aos moldes dos europeus, partiram então para um movimento corajoso e vanguardista, sofrendo posteriormente com o cenário geopolítico da Guerra Fria até conseguir voltar a caminhar com os seus próprios pés.
A política externa indonésia é considerada uma política única e rara. Isto é porque seu foco principal sempre foi livre e Ativo, ela é vista como pioneira em nao se alinhar automaticamente a ninguém.

Democracia Liberal

O período da democracia liberal , foi do estabelecimento da República unitária em 1950 até a declaração da lei marcial  em 1957, viu a ascensão e queda de seis gabinetes, o mais duradouro sobrevivendo por pouco menos de dois anos. Mesmo as primeiras eleições nacionais em 1955 não trouxeram estabilidade política.
O presidente Sukarno fez uma visita oficial à República Popular da China em outubro de 1956 e ficou impressionado com o progresso feito ali desde a Guerra Civil. Concluiu que isso se devia à forte liderança de Mao Zedong , cuja centralização do poder estava em acentuada contraste com a desordem política na Indonésia.

Demoracia guiada

Em 21 de fevereiro de 1957, Sukarno detalhou seu plano, salientou que devido à natureza da dinâmica interna do páis, era preciso pensar em nível de “aldeia”, questões importantes foram decididas por uma longa deliberação com o objetivo de alcançar um consenso. Enquanto as deliberações em nível local eram guiadas pelos anciãos da aldeia, Sukarno imaginou que o presidente os guiaria em nível nacional. A peça central seria um gabinete de ‘cooperação mútua’ dos principais partidos aconselhados por um Conselho Nacional.

Sukarno acreditava que o sistema parlamentar implementado durante o período da Democracia Liberalfoi ineficaz devido à situação política divisiva, por isso ele buscou um sistema baseado no sistema tradicional de discussão e consenso da aldeia, que ocorreu sob a orientação dos anciãos das aldeias. Com a declaração da lei marcial e a introdução deste sistema, a Indonésia voltou ao sistema presidencialista e Sukarno voltou a ser o chefe de governo.

Ele propunha uma mistura tripla de  nacionalismo, religião e  comunismo, um conceito chamado de Nas-A-Kom (ou Nasakom ). Com isso, ele pretendia satisfazer as quatro principais facções políticas do país: o exército , os nacionalistas seculares, os grupos islâmicos e os comunistas. Com o apoio dos militares, ele proclamou oficialmente em 1959 a “Democracia Guiada” e propôs um gabinete representando todos os principais partidos políticos, o Partido Comunista estava na coalizão, mas  não receberam cargos funcionais no gabinete, possivelmente uma mistura de desconfiança interna e receio da oposição externa.

As Relações Exteriores foram marcadas pelo engajamento com outras nações recém-independentes na Ásia e na África, como exemplificado pela Conferência de Bandung , a posterior fundação do Movimento dos Não-Alinhados e uma atitude de confronto com as potências ocidentais.

Nova Ordem

Após a derrubada de Sukarno e do massacre dos milhões de membros do partido comunista e dos seus simpatizantes, a política externa passou por uma grande mudança sob o governo da “Nova Ordem”. Esse termo foi cunhado pelo presidente Suharto para caracterizar sua administração, como ele chegou ao poder em 1966 e para ser uma demonstração de contraste com o governo anterior.

A “Nova Ordem” estava comprometida em alcançar e manter a ordem política, o desenvolvimento econômico e a remoção da participação em massa no processo político. Um forte papel político para os militares, a burocratização e corporatização das organizações políticas e sociais e a repressão seletiva, mas brutal dos oponentes foram as marcas do governo. A doutrina anticomunista estridente permaneceu uma marca registrada da presidência por seus 32 anos subsequentes.

Nove agendas

A atual política externa é fortemente influenciada pela visão e missão do atual presidente Joko Widodo focada principalmente em políticas baseadas em “Nawa Cita”. Que em uma língua tradicional da Indonésia significa “nove agendas”. Existem, portanto, nove agendas sob a administração de Jokowi que constroem a atual política externa indonésia.

1 – Promover a identidade da Indonésia como um Estado Arquipelágico –  fazendo, portanto, do seu país um poder diplomático e militar de nível global. É preciso acelerar o desenvolvimento marítimo e econômico e no comércio internacional.

2 – Potência média – Reforçar a diplomacia do poder médio para desempenhar um papel na arena mundial. É por isso que, nos últimos anos, a Indonésia desempenhou um papel importante em fóruns e organizações multilaterais e/ou internacionais.

3 – Indo-Pacífico – Estreitar relações indo-pacifico fortalecendo o poder e relações, especialmente na Ásia Oriental, juntando-se a várias cimeiras e fóruns. O objetivo é evitar a hegemonia das grandes potências.

4 – Diplomacia econômica – atrair investimentos estrangeiros.

Os outros 5 pontos giram em torno de questões econômicas com destaque para a meta de atingir 1,5% do pib em investimento militar.

Pós-Asean

Há hoje um debate chamado de “pós-ASEAN” que gira em torno de expandir a diplomacia para além dos vizinhos. Em 2009, Rizal Sukma, um dos estudiosos mais influentes da política externa, argumentou que uma política externa pós-ASEAN começaria deixando de ver o bloco do Sudeste Asiático “como a única pedra angular da política externa da Indonésia”. Ao avaliar a adesão da Indonésia ao G-20,
ele defendeu que o país reavaliasse a importância estratégica da ASEAN e colocasse uma ênfase mais pronunciada em agrupamentos internacionais.

Isso levantou questões sobre até que ponto a Indonésia se comprometeria a liderar iniciativas na ASEAN e, em última análise, sua liderança percebida na região. Aproveitando a identidade da Indonésia como um Estado marítimo e arquipélago, a agenda busca um papel mais ativo de Jacarta no chamado (PACINDO), região dos  Oceanos Pacífico e Índico. Também há a priorização do desenvolvimento de infraestrutura em todo o arquipélago o que aproxima o país aos chineses, encaixando a Indonésia à Iniciativa do Cinturão e Rota.

Fiel a essa narrativa de diplomacia realista, os compromissos com outras potências externas foram enquadrados em termos de objetivos socioeconômicos imediatos, como bem demonstrados por projetos de infraestrutura envolvendo investimentos do Japão, Coreia do Sul e Emirados Árabes Unidos.
Como o país com maior numero de muçulmanos do mundo, a Indonésia se projeta como um membro crucial na Organização da Cooperação Islâmica (OIC), ela considera cuidadosamente os interesses da solidariedade islâmica em suas decisões de política externa, mas geralmente tem sido uma influência para moderação na OIC. A Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) também faz parte dos planos multilaterais do país.

O ministro das Relações Exteriores acrescentou mais credibilidade à ideia de que a Indonésia adotou uma política externa pós-ASEAN. O presidente  Jokowi estabeleceu em sua política externa o objetivo de “obter resultados mais concretos para as partes interessadas domésticas”, com ênfase nos interesses nacionais pragmáticos e nas necessidades reais da população indonésia. As questões socioeconômicas tiveram prioridade e os compromissos bilaterais dominaram amplamente as manobras diplomáticas da nação sob sua liderança.

Um dos desafios do presidente Joko “Jokowi” Widodo em seu segundo mandato é aumentar os investimentos e impulsionar as exportações com o objetivo de fechar os déficits em conta corrente e na balança comercial. Nesse espírito, a Indonésia entende que a diplomacia deve se correlacionar com as necessidades do povo, por isso o nome de Diplomacia Realista ou Diplomacia “pés no chão”.

O país é alvo de críticas da comunidade internacional desde 1975, quando invadiu e incorporou o Timor-Leste, e repressões violentas em regiões com movimentos separatistas como em Papua Ocidental que existem até hoje. Não da para negar que esses problemas afastaram e ainda afastam investimentos estrangeiros no país.

Referências

Foreign Policy


https://www.britannica.com/biography/Mohammad-Hatta
https://thediplomat.com/2022/10/cornerstone-no-more-the-changing-role-of-asean-in-indonesian-foreign-policy/
https://artigos.wiki/blog/en/Indian_Ocean_Rim_Association

 

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