Japão x Asean : 50 anos de relacionamento
Em 18 de dezembro de 2023, ocorreu em Tóquio comemorações de 50 anos de relações entre o Japão e a Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), foram reestabelicdas em 1973, mas formalizada apenas em março de 1977. Durante a cúpula, diversos anúncios interessantes aconteceram. Ambos concordaram em estreitar cooperação marítima com o fim de “promover uma região do Indo-Pacífico baseada em regras que são livres e abertas”. Na declaração de Visão Conjunta emitida ao finalizar o cumprimento, ela se tornou um compromisso mútuo na defesa do direito internacional, incluindo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) de 1982.
A remarcação da posição sobre as zonas econômicas exclusivas se deve principalmente aos recentes tensionamentos entre Filipinas e China no Mar Meridional. Diante do aumento de tensões com Pequim que Tóquio vem se aproximando de Manila. As Filipinas entraram no programa de Assistência Oficial de Segurança (OSA), portanto, o país está no grupo de nações que estão incorporadas às cadeias de valor nipônicas.
Também fizeram parte das negociações os outros países envolvidos nas tensoes, Malásia e Indonésia. Kuala Lumpur firmou um acordo de matéria de assistência e segurança. Tóquio irá doar U$ 2,8 mi que serão destinados em botes de resgate e o fornecimento de equipamentos de acompanhamento e vigilância para a guarda costeira..
A isso se juntou um comunicado conjunto anunciando o compromisso de uma colaboração entre a Guarda Costeira do Japão e a Agência de Controle Marítimo da Malásia. De igual relevância é o encontro bilateral entre Tóquio e Jakarta, de onde surgiram os seguintes compromissos: o levantamento das barreiras para produtos indonésios, o aprofundamento dos laços entre os setores bancários de ambas as nações e a transferência de uma patrulheira avaliada em 63 milhões de dólares.
Estão em curso novas negociações de Defesa com o Camboja. O Japão modificou substancialmente sua política exterior, adotando uma mentalidade mais assertiva em relação às limitações constitucionais “pacifistas”. A cooperação em defesa e segurança deverá desempenhar um papel cada vez mais importante nas relações entre o Japão e a Associação das Nações do Sudeste Asiático, no meio de crescentes tensões regionais sobre disputas territoriais e marítimas com a China.
Para a ASEAN, é muito positivo o envolvimento com uma grande potência que o grupo e os Estados individuais do Sudeste Asiático consideram crítica num ambiente regional e global incerto. O Japão é especialmente significativo no principal conjunto de alinhamento de poder do Sudeste Asiático, dado o seu papel como segundo maior investidor direto, um importante parceiro comercial e um dos principais apoiantes de áreas que vão desde a construção de capacidades marítimas até ao apoio multilateral à ASEAN como grupo.
Para o Japão, consolida as relações com o que Kishida referiu como um “horizonte” chave na estratégia Indo-Pacífico do Japão, num contexto de crescente assertividade da China. O slogan escolhido de “parceiros de confiança” resume apropriadamente o papel que Tóquio cultiva na região.
Acordos e Fóruns
O Acordo de Livre Comércio entre ASEAN e o Japão foi assinado em 2008 e entrou em vigor em 1º de dezembro de 2008 para Japão, Laos, Myanmar, Singapura e Vietnã, em 1º de janeiro de 2009 para Brunei, 1º de fevereiro para Malásia, 1º de junho para Tailândia e 1º de dezembro para o Camboja, todos em 2009, em 1º de março de 2010 para Indonésia e 1º de julho do mesmo ano para as Filipinas.
Ao final do período de implementação, o Vietnã terá liberalizado 90% de suas linhas tarifárias, correspondendo a 86,8% de suas importações do Japão (2005-2007). O Japão oferecerá à ASEAN tratamento duty free em 87,8% de suas linhas tarifárias, correspondente a 95,3% das importações provenientes do Vietnã. As provisões do acordo sobre barreiras técnicas e sanitárias e fitossanitárias são em grande parte relacionadas aos compromissos já existentes no âmbito da OMC.
O acordo contém disciplinas de melhores esforços para manutenção de um ambiente favorável e transparente para investimentos, além de compromisso de negociação futura para maior liberalização e facilitação do comércio de serviços.
Existem ainda outros mecanismos entre as partes, como o Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica ou CPTPP. Assinado em 8 de março de 2018 no Chile, O acordo representa 13,5% da economia global, um total de 10 biliões de dólares, e 15% das receitas comerciais globais, equivalentes a 5 biliões de dólares. E a Parceria Económica Regional Abrangente (RCEP). Que entrou em vigor em 2022. Este acordo regional promete basear-se nos acordos já existentes entre os seus membros para melhorar ainda mais o comércio na Ásia e na Oceania.
O comércio bilateral entre a ASEAN e o Japão em 2021 atingiu U$ 240,2 bi, os fluxos totais de investimento direto estrangeiro (IDE) do Japão foi de U$12 bi, fazendo dele o terceiro maior parceiro comercial da ASEAN e a quarta maior fonte externa. A região desenvolveu um quadro de cooperação multifacetado centrado na ASEAN, incluindo a ASEAN+3, a Cimeira da Ásia Oriental (EAS), a Reunião-Plus dos Ministros da Defesa da ASEAN (ADMM Plus), Fórum Marítimo Ampliado da ASEAN (EAMF) e o Fórum Regional da ASEAN (ARF).
Opinião Pública
Anualmente, o Instituto ISEAS-Yusof Ishak, uma instituição de pesquisa de Cingapura, faz diversas enquetes com os cidadãos do sudeste asiático. No ano de 2023 os entrevistados depositaram mais confiança na liderança do Japão na manutenção da “ordem baseada em regras” e na defesa do direito internacional foi de 8,6%, contra 7,7% de 2022.
No geral, o Japão continua a ser a grande potência mais confiável da região com 41%, enquanto 26,4% acreditavam que o Japão tinha os recursos econômicos e a vontade política para proporcionar liderança global. A China continua a ser a potência económica indiscutível no Sudeste Asiático, mas a sua classificação de influência económica diminuiu de 76,7% em 2022 para 59,9% este ano. Quando perguntados sobre alternativas aos EUA e a China, as escolhas foram União Europeia, com 42,9%, e o Japão com 26,6%, a Índia veio em terceira com 11,3, ultrapassando a Austrália.
Visão Compartilhada
O Japão foi o primeiro parceiro de diálogo da ASEAN a alinhar a sua visão “livre e aberta” do Indo-Pacífico (FOIP) com a Perspectiva da ASEAN sobre o Indo-Pacífico (AOIP) através de uma declaração conjunta na Cimeira ASEAN-Japão de 2020. A abordagem do Japão ao Sudeste Asiático é uma fusão inteligente entre Hard Power e respeito pelos princípios que apoiam uma ordem duradoura baseada em regras. O ex-primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, já enfatizava a prosperidade de seu país na região defendendo a segurança e o comércio aberto sem passar por um aval dos EUA.
A doutrina “livre e aberta do Indo-Pacífico “(FOIP) do Japão consiste em uma série de princípios como conectividade, adesão ao direito internacional e a liberdade de navegação para a região, uma abordagem diplomática muito inteligente e que agrada aos países da ASEAN. Embora os afaste quando instrumentalizada como algum tipo de contenção à Pequim.
Enquanto a “Perspectiva da ASEAN sobre o Indo-Pacífico” (AOIP) é uma afirmação do papel da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) para manter a paz, a segurança, a estabilidade e a prosperidade na região. Estas Perspectivas apresentam uma interseção muito interessante e de diversos níveis de diálogos, em áreas como economia, segurança, conectividade e Defesa.
Claro que quando o assunto é Geopolítica nada está dado e sempre há meandros. O anúncio do FOIP foi feito na Índia e nesse tom que não agrada os membros da ASEAN. Enquanto que o AOIP foi anunciado em 2019 na Tailândia como uma espécie de resposta do QUAD. Grupo que o Japão é membro e é muito mal visto pela China e as nações do sudeste asiático. Portanto, ainda que os discursos oficiais se complementem, ainda há desconfiança e muita calibragem precisa ser feita.
As “Diretrizes de Implementação para a Assistência de Segurança Oficial do Japão” (OSA) é um programa de política externa usado para driblar as inúmeras proibições que o país enfrenta ainda fruto da derrota na Segunda Guerra quando o assunto é Defesa, Segurança e equipamentos bélicos.
Embora os montantes ainda sejam modestos, eles acenam com uma mensagem simbólica do Japão, a que Tóquio não hesitará em defender os seus interesses regionais, tornando-se uma alternativa aos países que se veem de alguma forma ameaçados pela China. O Japão usa esse mecanismo para atuar em uma “zona cinzenta” institucional para projetar seu Soft Power para seus vizinhos.
Tabuleiro Geopolítico Regional
Ironicamente, como todo país deve fazer para seguir seus objetivos, os países da Asean também usam a aproximação com o Japão para negociar outras benesses com a China. Não só pelos benefícios económicos adicionais, mas também para equilibrar as relações e aliviar as preocupações de Pequim de que a ASEAN possa estar a passar para um campo rival.
O Vietnã acabou de fazer isso. Ao mesmo tempo em que assinou acordos com os EUA e o Japão, Hanói elevou seus laços com Pequim a um nível não visto antes. Em visita do presidente Xi, ambos os países se comprometeram a “construir uma comunidade com um futuro compartilhado que possui significado estratégico”.
A China é responsável por quase 40% de toda a infraestrutura do sudeste asiático. No setor dos transportes, o Japão fornece um pouco mais de financiamento, enquanto nas comunicações a Coreia do Sul está no mesmo nível da China. Tóquio e Pequim têm sido os principais financiadores de projetos relacionados com o clima.
O Japão tem tradicionalmente dominado a economia da ASEAN com a sua tecnologia de ponta, setor industrial robusto e marcas internacionais bem conhecidas. As empresas japonesas fizeram grandes investimentos em vários setores, além dos já citados, o de eletrônica e de indústria automóvel.
Devido à sua reputação de excelência e à ênfase na qualidade e confiabilidade, os compradores valorizam muito os produtos japoneses. A China, por outro lado, tornou-se um ator poderoso na região graças à sua enorme população e à sua economia em rápida expansão. As empresas chinesas tornaram-se mais predominantes numa variedade de indústrias, incluindo energia, construção e telecomunicações. A Nova Rota da Seda (BRI) consolidou ainda mais o seu poder.
Navegar de forma eficiente neste cenário competitivo, concentrando-se em indústrias específicas que possam dar vantagens comparativas, é o grande desafio das nações do sudeste asiático. Que por sua vez, têm a oferecer um grande mercado consumidor, um bônus demográfico vantajoso e mão-de-obra qualificada.
Conclusão
O Japão reconhece que o mundo se encontra numa chamada “crise complexa”, como disse o primeiro-ministro Fumio Kishida ao apresentar a nova versão da estratégia Indo-Pacífico de Tóquio no início deste ano. Esta concepção reconhece que serão necessários muito mais esforços para mover o mundo no sentido da cooperação, em vez da divisão, bem como acomodar as vozes crescentes no Sul Global.
Não seria exagero dizer que Tóquio tem um tripé em sua política externa. O primeiro pilar é tentar dissuadir a assertividade chinesa, reforçando as capacidades marítimas dos países da região. O segundo é ajudar a garantir rotas comerciais que são críticas para o Japão abertas, e o terceiro é expandir suas ligações com o Sul Global até como aceno ao cenário político interno, que vê uma crescente desconfiança com seus líderes. O atual primeiro-ministro tem aprovação de apenas 25%.
Os Estados do Sudeste Asiático, por seu lado, também têm tentado gerir este momento de “crise complexa”, ao mesmo tempo que procuram ativamente oportunidades sempre que possível. E é aqui que a ASEAN aprecia a contribuição do Japão: a combinação de Hard e Soft Power, com o objetivo de conter tensões ao mesmo tempo em que potencializa a voz do comércio livre.
Referências
https://asean.org/our-communities/economic-community/integration-with-global-economy/asean-japan-economic-relation/
https://www.stimson.org/2023/japans-policy-toward-asean-in-2023/
Why ASEAN Appreciates Japan’s Nuanced Approach to Regional Order
https://www.japantimes.co.jp/news/2023/12/18/japan/politics/japan-asean-security-cooperation-analysis/
Japan, Yomiuri/NNN poll:
Approval for Prime Minister Kishida (LDP, Conservative) Cabinet
Approve: 25% (+1)
Disapprove: 63% (+1)+/- vs. 17-19 November 2023
Fieldwork: 15-17 December 2023
Sample size: 1,069➤https://t.co/WsOkErudug#Japan pic.twitter.com/3NahBWuB9C
— Asia Elects (@AsiaElects) December 21, 2023
State of Southeast Asia Survey 2023: It takes three to tango