Recensão crítica do livro “Crítica da razão negra” de Achille Mbembe, por Marcelino Sinete

 

Estrutura da obra
O Autor introduz o seu pensamento com a descriçao do Devir-Negro do mundo, o vertiginoso conjunto e a raça do futuro.

No seu primeiro capítulo disserta sobre a questão da raça nos aspectos da efabulação e enclausuramento do espírito, a recalibragem, a aparência, verdade e simulácros, a lógica do recinto fechado.

No segundo capítulo, aborda o Poço da alucinação e explica o seguinte: uma humanidade prorogada; Atribuição, interiorização e inversão; O Negro, de Branco, e o Branco, de Negro, Paradoxos do nome; O Kolossos do mundo; Partilha do mundo; O nacional colonialismo; Privolidade e exotismo; Autocegueira e Limites de amizade.

No terceiro capítulo demonstra a Diferença e Auto descriminação onde fala do Liberalismo e pessimismo racial; Um homem como os outros? O universal e o particular; Tradição, memória e criação; A circulação dos mundos,

O quarto capítulo descreve o Pequeno Segredo com o seguinte ordenamento de assuntos: História do potentado; O espelho enigmático; Erotismo da mercadoria; O tempo negro; Corpo, estátuas e efigies.

No quinto capítulo, fala sobre Réquie para o Escravo onde descreve a mulplicidade e excedente; O farrapo humano; Do escravo e do fantasma; Da vida e do trabalho,

No sexto e último capítulo o livro traz como tema A clínica do sujeito onde caracteriza os seguintes conteúdos: O senhor e o se negro; Luta de raças e autodeterminação; A escalada em humanidade; O grande estrepèpito; A violência emancipadora do colonizado; A nuvem de glória; Democracia e poética da raça.

A conclusão do Livro realça a existência de apenas um Mundo.

 

Síntese da Obra
Segundo o Autor da obra, em recensão, o nome Negro foi produto de uma máquina social e técnica indissociável do capitalismo de sua emergência e globalização. Este nome foi inventado para significar exclusão, embrutecimento e degradação, ou seja, um limite sempre conjurado e abominado. Humilhado e profundamente desonrado. O Negro é, na ordem da modernidade, o único de todos os humanos cuja carne foi transformada em coisa, e o espírito, em mercadoria.

O Negro, tornou-se o símbolo de um desejo consciente da vida, força pujante, flutuante e plástica, plenamente engajado no acto da criação e até de viver em vários tempos e várias histórias ao mesmo tempo. Em muitos países assevera-se agora um «racismo sem raça». No intuito de aprimorar a prática da discriminação, tornando a raça conceptualmente impensável, faz-se com que a cultura e a religião tornem o lugar da «biologia».

Afirma-se que o universalismo republicano é cego em relação à raça, encerram-se os Não-Brancos nas suas supostas origens, e continuam a proliferar categorias totalmente racionalizadas, as quais, maioritariamente, alimentam, no quotidiano, a islamofobia.

 

Segundo Mbembe, actualmente, a Europa deixou de ser o centro de gravidade do mundo. A história e as coisas voltam para África. Esta desqualificação abre possibilidades para o pensamento crítico uma vez que o pensamento europeu sempre teve tendência para abordar a identidade não em termos de pertença mútua (co pertença) a um mesmo mundo, mas antes na relação do mesmo ao mesmo, de surgimento do ser e da sua manifestação no ser primeiro ou, ainda, no seu próprio espelho. A pergunta é:

A que se deve esse pensamento, e quais as suas manifestações mais elementares? Segundo o autor do Livro, em recensão, esse pensamento deve-se ao facto de o Negro ser aquele que vemos quando nada se vê, quando nada compreendemos e, sobretudo, quando, nada queremos compreender. Em qualquer lado onde apareça, o Negro libera dinâmicas passionais e provoca uma exuberância irracional que tem abalado o próprio sistema racional. De seguida, deve-se ao facto de que ninguém desejaria ser um Negro ou, na prática ser tratado como tal. Quer dizer, aquilo que faz fermentar o delírio são, entre outras coisas, as raças.

Mbembe afirma que ao reduzir o corpo e o ser vivo a uma questão de aparência, de pele ou de cor, outorgando à pele e à cor o estatuto de uma ficção de cariz biológico, os mundos euro-americanos, em particular, fizeram do Negro e da raça duas versões de uma única e mesma figura, a da loucura codificada. Três momentos marcaram a biografia deste vertiginoso conjunto:

O primeiro foi a espoliação organizada quando, em proveito do tráfico adàntico (século XV ao século XIX), homens e mulheres originários de África foram transformados em homens-objecto, homens-mercadoria e homens-moeda.

O segundo momento corresponde ao acesso à escrita e tem início no final do século XVIII, quando os Negros, estes seres capturados – pelos – outros, conseguiram articular uma linguagem para sí, revindicando o estatuto de sujeitos completos do mundo vivo.

O terceiro momento (iniciou no século XXI) refere-se à globalização dos mercados, a privatização do mundo sob a égide do neoliberalismo e do intrincado crescimento da economia financeira, do complexo militar pós-imperial e das tecnologias electrónicas e digitais.

Como nos referimos, o autor da obra, em recensão, o nascimento da questão de raça – e portanto de Negro – está ligado à história do capitalismo. O Poder predador, poder autoritário e o poder probrizar o capitalismo precisam sempre de subsídios raciais para explicar os recursos do planeta. Assim, segundo o Autor da obra, o foi e assim o é, ontém e hoje, ainda que actualmente esteja a colorizar o seu próprio centro, e que as perspectivas de um divir-negro do mundo nunca tenham sido tão evidentes.

Mais ainda, o autor, afirma que do mesmo modo, não haverá secessão na relação a humanidade, enquanto não se fizer a economia da restituição, da reparação ou da justiça. Restituição, reparação e justiça são condições para a escalada colectiva desse termo da humanidade.

Outro aspecto dissertado por autor desse livro, em referência, tem a ver com o conhecer o mundo o que ele é, as relações entre as suas diversas partes, a extensão dos seus recursos e a quem pertencem, como habitá-lo, o que o move e o ameaça, para onde vai, as suas fronteiras e limites, o seu possível fim diz esse autor de que nos tem ocupado desde que o ser humano de carne, osso, e espírito surgiu sob sígno do Negro, isto-é do homem-mercadoria, do homem-mental e do homem-moeda. Conclui com este pensamento dizendo que na verdade, apenas existe um mundo: mundo dos humanos e não-humanos.

Diz o autor que partilhar o mundo com outros seres vivos, eis a dívida por excelência, era de facto a principal chave para a durabilidade, facto dos humanos como dos não-humanos. Neste sentido de troca, de reciprocidade e de mutualidade, humanos e não-humanos era o lodo dos outros. Segundo Mbembe, a durabilidade do mundo depende da nossa capacidade de reanimar os seres e as coisas aparentemente sem vida – o homem morto, devolvido o pó pela seca economia, aquele que, pobre de mundo, trafica com corpos e a vida.

Diz Mbembe que mesmo que se criem fronteiras, se erguem murros e se delimitem enclaves, que se divida, classifique, hierarquize, e se tente suprimir da humanidade, aqueles e aquelas que se rebaixem, se despresam ou, ainda, todos os que não se parecem connosco, ou com os quais pensamos nunca nos vir a entender, existe apenas um mundo, e todos temos direito a ele. Este mundo pertence-nos a todos com igualdades e todos somos seus herdeiros, apesar das diferentes maneiras de habitar de onde provem precisamente a efectiva pluraridade de culturas e de modo de vida.

Por definição, segundo Mbembe, a questão da comunidade universal coloca-se portanto em termos habitação do Aberto – o que é absolutamente diferente de uma atitude que pretenda antes de mais enclausular, permanecer enclausulado naquilo que, por assim dizer, nos é próximo. Esta forma de desaproximação é, na verdade, o contrário da diferença, na maior parte dos casos, a diferença é o resultado da construção de um desejo e de um trabalho de abstração, de classificação, de divisão e de exclusão – um gesto de poder que, por conseguinte, interiorizado e reproduzido nos gestos da vida de todos os dias, inclusive pelos próprios excluídos, muitas vezes, o desejo de diferença emerge precisamente dos lugares onde se vive mais intensamente a experiência de exclusão. Nestas circunstâncias, a proclamação da diferença é a linguagem invertida do desejo de reconhecimento e de inclusão.

Mas se, de facto, a diferença consiste no desejo (isto é, a verdade), esse desejo não é necessariamente desejo de poder. Também pode ser desejo de ser protegido, de ser poupado, de ser preservado do perigo. Por outro lado, o desejo de diferença não é também necessariamente o oposto do projecto do em comum.

 

Destaque de citações relevantes da Obra
[Ao reduzir o corpo e o ser vivo a uma questão de aparência da pele e à cor, o estatuto de uma ficção de cariz biológico, os mundos europeus-americanos em particular fizeram do negro e da raça … loucura codificada] (pág, 12)

[Pela importância do Hairi … o terceiro momento] (pág, 13)

[O neocolonialismo… dúplo funesto o capital] (pág, 13)

[Destingue-se em vários aspectos do sujeito trágico e alienado da primeira industrialização… como um produto de troca] (pág. 15)

[Pensando doravante o ciclo do capitalismo…aceleração das energias instintivas] (pág. 15

[O nome Negro em particular libertou, durante muito tempo, uma estraordinária energia… um dia de transfiguração.] (pág. 19)

[Este nome assinalava uma série de experiências históricas… de qualquer coisa que era e não era a sua própria vida] (pág. 20)

[Toda a humanidade subalterna… periodimodismo?] (pág. 21)

[Será mesmo verdade que hoje em dia… muitas vezes, do que lhe é dissemelhante?] (pág. 21)

[Se serve no entanto da história para por estilo de reflexão… do mundo nosso tempo] (pág.21)

A QUESTÃO DA RAÇA:

[Imagem do saber, um modelo de explicação… a raça como enquadramento] (pág. 25)

[A raça não passa de uma ficção útil… esplica-se pelo seu carácter extraordinariamente móvel, incostante e caprichosa.] (pág.27)

[Nessas fontes baptismais… uma nova fonte consciência planetária] (pág. 31)

[lado a lado com o macabro comércio de escravos… da nova Escócia, da Virgínia.] (pág. 35)

[Uma desena dos milhar juntou-se às tropas Inglesas… mais tarde para a África.] (pág. 37)

[O momento gregário do pensamento… as humanidades não europeias.] (pág. 39)

[Pontualmente, sob a forma de levant. … no projecto de servidão de sí e de outros escravos.] (pág. 41)

[O Negro é de facto… e do controlo do trabalho subordinado] (pág.43)

[Ora pela explicação de origem… Negro Africano.] (pág. 45)

[Não está de todo fora de causa… determinismos raciais.] (pág, 46)

[A semelhança de outros tempos… mas apenas alguns deles.] (pág. 51)

O SUBSTANTIVO NEGRO:

[Os Negros da América… a sua americanidade.] (pág. 53)

[Quem, de entre eles… um encontro com um outro outrem.] (pág, 58)

[Édouard Glissant não falava do lodo como se fosse… do trabalho e da linguagem.] (pág.302)

[restituição e reparação estão portanto no centro… quer queira queira o seu destino final.] (pág. 304e305)

 

 

Avaliação crítica da Obra
Segundo o autor do livro, em recessão, o mundo é único e é para todos nós os humanos e não-não humanos. Todos temos igualdade de direitos de o habitar, o usar, de explorar os seus recursos. E que segundo o mesmo autor, a questão da raça vem do capitalismo para cegregar, hierarquizar as coisas com o fim último de criar diferença, daí o sígno do Negro. O autor muito bem afirma que toda tentativa de dividir, colocar murro entre fronteiras… a verdade é que o mundo é nosso. Mais ainda diz que para haver harmonia, paz no mundo é preciso que se restitua o assambarcado e se repare as cicatrizes criadas pelo colonialismo: houve escravos que trabalharam para as Américas serem o que elas hoje são. A Europa pilhou a riqueza do alheio e por conseguinte, segundo o artigo, é preciso que seja restituida a referida riqueza roubada. No nosso entender, não há dinheiro e nem se quer fortuna que possa pagar tais barbaridades.

Os escravos aprisionados no calabouço das aparências, passaram a pertencer a outros, que se puseram hostilmente a seu cargo, deixando assim de ter nome ou língua própria. Apesar de a sua vida e o seu trabalho serem a partir de então a vida e o trabalho dos outros, com quem estavam condenados a viver, mas com quem era interdito ter relações co-humanas, eles não deixaram de ser sujeitos activos. Homens e mulheres originários de África foram transformados em homens-objecto, homens-mercadoria e homens-moeda. Hoje procura-se culpabilizar o africano pelo subdesenvolvimento de África continente. Diz-se que os africanos lutam entre si. É verdade. Que as elites africanas depositam os seus dinheiros no estrangeiro. É verdade. Que o africano não se importa do outro. É verdade. Dentre outros males atribuídos ao africano. A pergunta é: O africano nasceu maldoso? Existe uma pessoa nascida de uma mulher que nasceu desumana? No nosso entender, é que todo o ser humano, nasceu humano e a Educação fruto da experiência e aprendizagem desse homem o manteve humano ou, o transformou desumano como aconteceu com as mulheres africanas e homens africanos que foram transferidas e transferidos para as américas e Europa no século XV ao século XIX.

O neoliberalismo, (filho do capitalismo, colonialismo e patriarca) baseado na visão segundo a qual «todos os acontecimentos e todas as situações do mundo vivo (podem) deter um valor no mercado». Este movimento caracteriza-se também pela produção da diferença, a codificação paranóica da vida social em normas, categorias e números, assim como diversas operações de abstração que pretendem racionalizar o mundo a partir de lógicas empresariais.

O capital, designadamente financeiro, define-se agora como ilimitado, tanto do ponto de vista dos seus fins como dos seus meios. Já mão há trabalhadores e trabalhadoras propriamente ditos. Já só existem

Nómadas do trabalho. Se ontem, o drama do sujeito era ser explorado pelo capital, hoje, a tragédia da multidão e não poder já ser explorada de todo, é ser objecto de humilhação numa humanidade supérflua, entregue ao abandono, que já nem é útil ao funcionamento do capital.

Segundo o autor, este novo homem, sujeito do mercado e da dívida, acha-se um puro produto de acaso natural. Em primeiro lugar é um indivíduo aprisionado no seu desejo. A sua felicidade depende quase inteiramente da capacidade de reconstruir publicamente a sua vida intima e de oferecê-la num mercado como um produto de troca.

Mais ainda, o autor para finalizar a crítica da razão negra caracteriza o Sujeito neuro económico como estando absorvido pela dupla inquietação exclusiva da sua animalidade (a reprodução biológica da sua vida) e da sua coisificação (usufruir dos bens deste mundo), este homem-coisa, homem-máquina, homem-código e homem fluxo procura antes de mas regular a sua conduta em função de normas do mercado, sem hesitar em se auto-instrumentalizar e instrumentalizar os outros para optimizar a sua quota-parte de felicidade. Condenando a aprendizagem para toda vida, à flexibilidade ao reino do curto prazo, abraça a sua condição de sujeito solúvel descartável para responder à injunção que lhe é constantemente feita – torna-se outro. Denuncia Mbembe esta triste realidade.

 

 

Marcelino Sinete Pangaia
Mestre em Administração Pública
Licenciado em Psicologia das Organizações e do Trabalho
Especialista do Regime Geral da Função Pública
Maputo – Moçambique
pangaiamarcelino@gmail.com