O sudeste asiático e o tarifaço
Depois de reshoring, nearshoring e friendshoring, que são conceitos que tratam respectivamente de trazer para si, para perto ou apenas entre nações parceiras, , indústrias, investimentos, serviços, e derivados, o termo que está na moda agora é o deresking, que no atual contexto geopolítico nada mais é do que o ocidente limitar sua exposição aos riscos, ou seja, diminuir ao máximo o comércio e o investimento com nações que possam ser hostis a ideias ou movimentos de bloquear ou sancionar terceiros que esses países ocidentais desejem.
“[D]erisking não é uma opção unilateral, mas sim um desenvolvimento interativo e fluido que está ocorrendo ao redor do globo”, com os EUA e seus aliados buscando reshoring, nearshoring e friendshoring e a China buscando diversificação em mercados como o Sul Global e a Rússia,
Em outras palavras, a partir do momento que esse movimento é lido por chineses, russos e outras nações não amigáveis aos ocidentais, elas passam a adotar essa mesma estratégia para sobreviver, e com isso, acaba sendo um modelo que se retroalimenta. Um termo que deriva como consequência desse novo mundo é o “minilateral”. Ao contrário do “multilateral”, grandes arranjos com muitos membros, o minilateral normalmente envolve poucos países para tratar de temas específicos, os maiores exemplos são os recém criados Quad e Aukus.
O primeiro tem como membros Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia para tratar de um cerco econômico à Pequim, enquanto o segundo delibera especificamente sobre nuclearizar a Austrália com a ajuda dos Estados Unidos e o Reino Unido. Essa abordagem passa a se sobressair em um mundo de aumento de desconfiança mundial.
Mas e os grandes agrupamentos? Estão mortos? A resposta é: NÃO! Blocos como Asean, Brics, G7 e União Europeia possuem seu valor e seu peso na dinâmica internacional, principalmente em pautas econômicas e de segurança. Mas, para sobreviver nesse cenário desafiador é necessário mudanças e correções de rumos.
Asean
Nos últimos 50 anos, a ASEAN tem sido beneficiária de um ambiente global livre e estável, o maior desafio para a Malásia, como presidente da ASEAN, será descobrir como navegar nas atuais mudanças bruscas da geopolítica mundial e encontrar oportunidades para a ASEAN continuar a prosperar em território desconhecido.
O novo normal para qualquer presidente da ASEAN é a expectativa de ter que administrar uma crise, se não múltiplas crises, em meio a um ambiente geopolítico cada vez mais hostil. Como presidente da ASEAN em 2025, a Malásia enfrenta tensões geopolíticas crescentes, fragmentação econômica crescente, protecionismo crescente, nacionalismo, revisionismo e consequências da crescente rivalidade entre China e EUA na região.
Recentemente, o primeiro-ministro malaio Anwar Ibrahim, atual líder do bloco, anunciou a nomeação de conselheiros pessoais informais para lidar com temas como a geopolítica mundial e como o bloco deve agir. Esses conselheiros incluem o ex-primeiro-ministro tailandês Thaksin Shinawatra, o ex-ministro das Relações Exteriores da Indonésia Retno Marsudi e o ex-ministro das Relações Exteriores de Cingapura George Yeo. Ainda há muito ceticismo sobre esse grupo, muitos o acusam de ser performático, outros, que o momento é delicado e requer gente de peso para ajudar, e até questionar o primeiro-ministro em seus atos na presidência do órgão.
É preciso lembrar que as disparidades internas das nações do sudeste asiático criam diferentes visões e estratégias para cada um deles, Singapura foca em áreas mais avançadas, como investimentos em tecnologia de ponta como inteligência artificial e semicondutores. Para outras grandes economias tentando escapar da chamada armadilha de renda média, como Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã, a ênfase se dá na necessidade de alavancar a economia, seja com investimento estrangeiro seja com exportação. Países com menores capacidade produtivas como Laos e Camboja ficam restritos a exportação de produtos têxteis e derivados para obter divisas.
Sob a supervisão da Malásia, a região verá a adoção da “ASEAN Community Vision 2045” na 46ª Cúpula da ASEAN em Kuala Lumpur no final de 2025. Isso definirá a direção estratégica da ASEAN para os próximos 20 anos. Esse ano marca o fim da visão 2025, e, portanto, há muito em jogo nessa cúpula, também esse ano deve ser concluído o DEFA – Acordo-Quadro de Economia Digital da ASEAN, o acordo será o primeiro sobre o campo digital regional do mundo que oferece um roteiro abrangente para acelerar o comércio digital em serviços, eletrônicos, sistemas de pagamento digital e muito mais. Ele deve agregar valor em cerca de US$ 1 trilhões à economia da ASEAN até 2030.
A Malásia convidou formalmente a China para participar da Cúpula ASEAN–Conselho de Cooperação do Golfo (GCC) em maio de 2025. Esta proposta pegou muita gente de surpresa, pois a primeira Cúpula ASEAN–GCC foi apenas em outubro de 2023 e não havia convidados extrarregionais. Não está claro qual será o papel da China na segunda Cúpula ASEAN–GCC, mas a justificativa por trás desta proposta pode ser aproveitar os profundos vínculos econômicos da China com ambas as regiões para encontrar oportunidades comuns. Esta cúpula também dará a Anwar, primeiro-ministro malaio, uma oportunidade de mostrar a liderança do seu país na cooperação Sul-Sul.
Por outro lado, a Tailândia e o Vietnã tentam ser membro da OCDE, Brunei, Malásia, Singapura e Vietnã fazem parte do Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífica (CPTPP), que foi revigorado com o recente anuncio da entrada do Reino Unido no bloco, não há um movimento em conjunto ou mesmo separado de alinhamento ou vassalagem com ninguém, se tem algo que as nações do sudeste asiático sabem historicamente é se equilibrar entre grandes potências.
De acordo com o Banco Asiático de Desenvolvimento, a previsão de crescimento econômico da região era de 4,7% em 2024, e espera-se que mantenha uma taxa de crescimento semelhante em 2025. Mudanças nas cadeias de suprimentos para longe da China beneficiaram economias importantes do Sudeste Asiático, mas também há outros impulsionadores domésticos de crescimento, como a relação alta comércio/PIB, com cerca de 93%, as exportações de manufaturados agregam valor significativo ao PIB dessas nações, e por isso, elas defendem tanto a ordem comercial atual, livre e aberta.
A China ultrapassou os Estados Unidos como o maior parceiro comercial do Sudeste Asiático desde 2009 e tem uma vantagem de quase dois para um, mas os Estados Unidos mantiveram uma vantagem estreita em investimentos, e do lado da segurança, embora as parcerias de com a China na última década tinham aumentado consideravelmente, os Estados Unidos ainda superam a China em quatro vezes o número de exercícios militares. Na emergente e complexa importância do Indo-Pacífico, os países da ASEAN possuem experiência histórica valiosa, flexibilidade no engajamento político e econômico que podem alça-los como mediadores cruciais uma ordem Indo-Pacífica pós-liberal.
Brics
O interesse das nações do Sudeste Asiático no BRICS significa uma recalibração estratégica em resposta às complexidades de um mundo incerto, fragmentado e que se encaminha para a multipolaridade. A admissão da Indonésia no BRICS em janeiro de 2025, juntamente com a Malásia, Tailândia e Vietnã se juntando como países parceiros em outubro de 2024, exemplifica a abordagem pragmática da região para diversificar parcerias diplomáticas e econômicas.
O BRICS oferece oportunidades alternativas para crescimento econômico, diversificação comercial e acesso ao financiamento do desenvolvimento. Para a Indonésia, a associação ao BRICS fortalece suas conexões com grandes economias, como China e Índia, ao mesmo tempo em que fornece acesso ao Novo Banco de Desenvolvimento. A declaração do presidente Prabowo Subianto, “mil amigos são poucos; um inimigo é demais”, ressalta o comprometimento da Indonésia em promover parcerias diversas.
A Malásia vê o BRICS como uma plataforma para fortalecer seus setores de energia renovável e tecnologia. O Primeiro Ministro Anwar Ibrahim esclareceu que o engajamento da Malásia não é sobre alinhamento com nenhum bloco, mas sim adaptação às mudanças globais. Ele também enfatizou que a ascensão da China apresenta um “vislumbre de esperança” para equilibrar a dinâmica de poder global. Lembrando que o setor de energia limpa regional já sofre sanções americanas por possuir massivos investimentos chineses, painéis solares de Camboja, Malásia, Tailândia e Vietnã foram penalizados ainda na administração Biden.
A Tailândia vê a filiação como uma oportunidade para investimento estrangeiro direto e acesso a novos mercados. O Vietnã pretende permanecer como um país parceiro do BRICS mesmo que seja convidado para ser membro pleno, um “ponto ideal”, para aprimorar sua cooperação econômica e diversificar suas parcerias internacionais, visando equilibrar suas relações entre nações ocidentais e economias emergentes.
Com a China e os Estados Unidos sendo percebidos como menos confiáveis para a ASEAN, uma das únicas maneiras de permanecer neutro, mas ativo na arena global, é se comprometer ainda mais com sua estratégia de alinhamento múltiplo, ou neutralidade estratégica, tanto é que vários países buscam agrupamentos ditos ocidentais como a OCDE, assim como pleiteiam acordos de livre-comércio em separado com algumas nações ocidentais.
As plataformas ASEAN existentes, incluindo a Cúpula ASEAN, Reuniões Ministeriais ASEAN e Reuniões de Ministros Econômicos ASEAN, poderiam servir como locais para alinhar as iniciativas BRICS com os objetivos do bloco. Convidar o país presidente do BRICS para essas discussões, como um primeiro passo, poderia aumentar ainda mais a cooperação e a coordenação. Que é o que o primeiro-ministro malaio fez, convidou o presidente Lula para a cúpula da Asean do final do ano, ainda não se sabe se ele aceitará.
Há quem dia que os sistemas financeiros e comerciais de uma eventual desdolarização pode entrar em conflito com os existentes no RCEP (Parceria Econômica Regional Abrangente) e no CPTPP, esse talvez seja o único ponto negativo que realmente reflita eventuais conflitos ou dificuldades. Mas alguns outros pontos ventilados como preocupantes ou negativos dessa aproximação são meramente especulativos ou de desconhecimento sobre o funcionamento da Asean, como o que menciona que o bloco pode ser fissurado por dentro entre membros e não-membros, principalmente citando o acesso ao financiamento do banco do Brics, o New Development Bank, o que é falso, países não membros também podem acessar os recursos.
Existe também a preocupação com a centralidade da ASEAN, principio fundamental do bloco, ponto que não é levantado quando o Vietnã fechou acordo com o Reino Unido, com os pedidos da OCDE, com Singapura pertencendo a inúmeros acordos com o ocidente ou sobre as bases americanas em alguns países da região.
Quem está preocupado está pensando na sinalização que essa união passa em relação ao decrescente apoio a ordem mundial atual e como mudanças tectônicas como essas indicam grandes incertezas comerciais de longo prazo, por outro lado, os despreocupados veem esse alinhamento como um comportamento típico de prevenção da ASEAN, algo costumeiramente feito em seus 50 anos de existência quando fazem uma leitura de mudança de ventos.
Trump
Seu primeiro mandato combinou uma mistura de confronto econômico com a China com comportamento diplomático errático com foco em relações bilaterais e minilaterais, e a tendência é que se agrave Agora, Trump tem muito menos restrições em comparação à sua primeira vez devido à oposição mais fraca no Congresso, nos tribunais, e maior legitimidade doméstica de sua vitória clara no voto popular na eleição de 2024.
O retorno do presidente à Casa Branca pode impactar profundamente a ASEAN, ele lançou uma guerra tarifária com a China, piorando as relações comerciais entre Washington e Pequim, com Trump focando na redução de déficits comerciais, a ASEAN pode ser um alvo primário. Seus membros em 2023 tiveram um superávit comercial total de mais de US$ 160 bilhões com os Estados Unidos.
Até agora, os alvos da ira de Trump foram Canadá, México, Colômbia e China. Mas o presidente prometeu implementar tarifas “recíprocas”, em princípio, contra todos os países. Os setores mais relevantes para a ASEAN — automotivo, semicondutores e minerais críticos (como níquel) — estão no topo da agenda de Trump. Vários países com grandes superávits comerciais com os EUA são alvos prováveis de medidas protecionistas, como Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã. Coincidentemente ou não, membros dos Brics, E O Vietnã, que já expressou publicamente seu desejo de ingresso.
A administração Trump também usa ameaças tarifárias como uma ferramenta para forçar concessões em uma série de questões, incluindo aquelas relacionadas à competição EUA-China. Em geral, o impacto também dependerá da importância dos EUA como parceiro comercial. Alguns países do Sudeste Asiático serão mais vulneráveis do que outros. Em 2024, a participação do Vietnã nas exportações para o PIB destinadas aos EUA era de cerca de 25%, Malásia e Tailândia pouco acima de 10% cada, e Cingapura cerca de 7%. Em novembro de 2024, o superávit comercial do Vietnã em bens e serviços com os EUA era de US$ 112 bilhões, seguido pela Tailândia com US$ 40 bilhões e Malásia com US$ 23 bilhões.
Os principais setores de exportação para Washigton ano passado foram: eletrônicos, com mais de 60% para a Malásia e Filipinas, 45% para a Tailândia, 43% para o Vietnã e cerca de um terço para Cingapura. Têxteis, roupas e calçados representaram cerca de 30% para a Indonésia e um quarto para o Vietnã. Alimentos e produtos agrícolas representaram mais de 10% para a Indonésia e quase 10% para as Filipinas e Tailândia.
Uma consequência já perceptível desse cenário é que os países do sudeste asiático estão sofrendo uma enxurrada de produtos chineses em seus mercados, Pequim tenta desviar esses produtos que iam para o ocidente antes da guerra tarifária para seus parceiros tradicionais, gerando distúrbios econômicos neles, ao longo de 2024, uma série de medidas antidumping foram tomadas contra produtos chineses pelos governos da ASEAN, motivadas pelo lobby de empresas locais. A mais dramática foi a proposta da Indonésia de uma tarifa ampla de 200 por cento sobre produtos chineses, que até agora ainda não se materializou.
Em suma, apenas o fato de idealizar tarifas, devido ao peso na economia mundial de seu país, os Estados unidos acabam promovendo parte do impacto dessas medidas que ainda nem foram concretizadas. A China pressiona seus parceiros imediatos para escoar seus produtos que anteriormente iam para Washington e Europa como precaução e o sudeste asiático sofre dos dois lados, seja pelas tarifas que devem chegar mais cedo ou mais tarde impactando suas exportações e seu pib, seja pelo barateamento dos produtos chineses que impactam sua balança comercial e mercado interno.
Conclusão
Líderes do sudeste asiático notaram que o momento atual é de crise da ordem baseada em regras pós-Segunda Guerra Mundial liderada pelos EUA e o mundo se encaminha para a multipolaridade com o poder sendo distribuído cada vez mais para potências regionais do dito sul e leste global. À medida que essas dinâmicas se desenrolam, as misturas de parceiros intercontinentais de países do Sudeste Asiático também podem evoluir, complicando ainda mais as escolhas para longe de serem predominantemente focadas em Pequim ou Washington e seus parceiros com ideias semelhantes.
Por mais tentador que seja para analistas ocidentais verem a adesão dos países da ASEAN ao BRICS como uma afronta direta, os países da ASEAN estão simplesmente procurando uma maneira de proteger os interesses nacionais da melhor forma possível. Muitos desses analistas consideram que o Brics pode enfraquecer a centralidade Asean, mas ignoram o fato de que o foco em relações bilaterais de Trump pode ter o mesmo efeito potencial, uma competição interna pelo melhor acordo com Washington também pode diminuir a coesão do bloco, utilizando essa mesma ótica.
O status do Sudeste Asiático como a quinta maior economia do mundo impulsiona sua importância coletiva regional e globalmente, mesmo que esse peso seja distribuído de forma desigual. Diplomacia transparente e comunicação aberta são essenciais para a ASEAN manter sua credibilidade enquanto se envolve com os BRICS e com potências ocidentais simultaneamente. Altamente dependente do comércio com a China e da proteção militar e de investimento direto dos Estados Unidos, a Asean deve aprimorar sua coordenação interna para manter a neutralidade e uma abordagem multipolar equilibrada.
Referencias
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https://thediplomat.com/2025/03/us-china-competition-in-southeast-asia-under-the-second-trump-administration/
https://eastasiaforum.org/2025/02/20/storm-clouds-gather-over-asean-as-it-enters-2025/
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https://eastasiaforum.org/2025/02/07/weathering-the-economic-storms-of-the-asean-climate/
Trump’s Reciprocal Tariff Policy: Implications for Southeast Asia
https://eastasiaforum.org/2025/02/03/southeast-asia-in-the-crossfire-of-the-us-china-trade-war/
https://eastasiaforum.org/2025/01/20/asean-should-hope-for-the-best-but-prepare-for-the-worst-in-2025/
https://www.aseanwonk.com/p/cptpp-membership-commission-2025-indo-pacific
https://www.aseanwonk.com/p/southeast-asia-2025-geopolitics-geoeconomics?utm_source=post-email-title&publication_id=1495434&post_id=152570202&utm_campaign=email-post-title&isFreemail=true&r=2mhlg&triedRedirect=true
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