Geopolítica Energética #05: Estreito de Ormuz – Especial de aniversário, por Luis Rutledge

Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica Energética. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC. Atua como pesquisador da UFRJ, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior – FUNCEX, Colunista do site Mente Mundo Relações Internacionais e autor de inúmeros artigos publicados sobre o setor energético.

 

Qual a importância geoeconômica do uso do Estreito de Ormuz?

 

 

 

O uso de estreitos em guerras e conflitos sufoca a economia global, pois estreitos como Ormuz e o corredor do Canal de Suez representam canais estratégicos não apenas para a região, mas para o mundo inteiro.

Hoje eu trago uma análise abordando a importância estratégica dos estreitos e rotas marítimas no Oriente Médio e os potenciais consequências econômicas que esses trechos geográficos representam em caso de bloqueios totais do trafego por essas importantes vias.

O Estreito de Ormuz é o corredor petrolífero mais importante do mundo, pois liga o Golfo Pérsico ao Golfo de Omã e ao Mar Arábico, e grandes quantidades de petróleo fluem por ele. Para entenderem a dimensão de sua importância, vale destacar que somente em 2024 o fluxo médio de petróleo pelo Estreito de Ormuz foi de cerca de 20,3 milhões de barris por dia, o que equivale a cerca de 21% do consumo de líquidos de petróleo globalmente, e essa taxa se estabilizou relativamente no primeiro trimestre de 2025. Dessa forma, podemos imaginar sua real importância na cadeia logística do suprimento energético global.

Outra importante rota de fluxo de petróleo é o Canal de Suez. Este é um corredor vital no comércio global, respondendo por cerca de 12% dos fluxos de comércio mundial e cerca de 5% dos fluxos de petróleo bruto, 10% dos produtos petrolíferos, os chamados derivados de petróleo, e 8% do gás natural liquefeito (GNL).

Quanto às implicações regionais de uma total ruptura do fluxo energético alguns dados podem expressar o tamanho de sua importância.

Primeiro, vamos citar um importante ator produtor da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), a Arábia Saudita. O reino saudita transporta mais petróleo bruto e condensado pelo Estreito de Ormuz do que qualquer outro país. E, em 2024 as exportações de petróleo bruto e condensado da Arábia Saudita representaram 38% (5,5 milhões de barris por dia) do total de fluxos de petróleo bruto através do Estreito de Ormuz.

Outro importante ator dentro da geopolítica energética é o Catar. O país, que vale lembrar deixou a OPEP em 2019, após ser membro desde 1961, envia cerca de 77 milhões de toneladas métricas de GNL anualmente para a China, Japão, Índia e Coreia do Sul, bem como partes da Europa, portanto, cortar esses suprimentos levará a uma redução significativa nas receitas de exportação do Catar.

A importância destes estreitos e canais está relacionado também com os mercados de financeiros nos países do Oriente Médio quando afetados por ameaças relacionadas aos estreitos marítimos, pois a mera ameaça de interromper esses estreitos leva a uma diminuição nos fluxos de navios carregados de mercadorias, o que reduz o retorno de moedas estrangeiras para muitos países e, portanto, diminui as reservas cambiais, o que força a redução do preço das moedas locais em relação às moedas estrangeiras, especialmente o dólar. Além disso, a maioria dos países do Oriente Médio importa suas necessidades de países ocidentais e da Ásia, principalmente da China, pois os preços globais aumentam como resultado da asfixia das cadeias de suprimentos, o custo das importações de várias commodities aumenta e, portanto, seus preços aumentam dentro dos países da região, devido à diminuição da oferta e ao aumento da demanda interna.

Muito provavelmente, o preço do petróleo teria atingido valores acima de US$ 90 por barril se o Estreito de Ormuz já tivesse sido fechado, e os preços do GNL particularmente na Ásia e na Europa voltariam aos níveis não vistos desde 2022 devido a uma possível interrupção nas exportações de GNL do Catar e dos Emirados Árabes Unidos, que juntos respondem por 20% das exportações globais de GNL.

Outra região também sentiria o efeito de qualquer fechamento do Estreito, os países asiáticos. Fortemente dependentes de países importadores de petróleo, o ciclo de produção industrial da China e de outros países asiáticos, é afetado por qualquer possível interrupção no fornecimento de petróleo, pois eles dependem fortemente das importações de petróleo do Estreito de Ormuz para atender a infraestrutura industrial e de serviços que são alimentadas por energias fósseis.

Voltando aos números, destaco que em 2024, cerca de 84% do petróleo bruto e condensado e 83% GNL cruzaram o Estreito de Ormuz para os mercados asiáticos. China, Índia, Japão e Coreia do Sul foram os principais destinos do petróleo bruto que se desloca pelo Estreito de Ormuz, respondendo por um total de 69% do total de fluxos de petróleo bruto e condensado, portanto, esses mercados provavelmente serão mais afetados por interrupções no fornecimento.

Por outro lado, embora a Austrália dependa apenas 15% de seu petróleo bruto do Oriente Médio, ela depende fortemente da Coréia e de Cingapura para petróleo refinado do petróleo bruto do Oriente Médio, de modo que o impacto dos principais fornecedores da Austrália causaria efeitos diretos em seu suprimento de petróleo.

Vamos pensar um pouco que os riscos e incertezas na cadeia de suprimentos vai muito além da passagem de petróleo ao seu destino final. A utilização de estreitos marítimos vitais como ferramentas em crises geopolíticas causa interrupções significativas nas cadeias de suprimentos globais, pois o bloqueio repentino da passagem de petroleiros pelo Golfo Pérsico e a suspensão das seguradoras marítimas para cobrir a cobertura de navios que transitam pelo estreito ou a imposição de prêmios exorbitantes para cobrir os riscos de guerra, levará algumas empresas de navegação a evitar completamente a região, o que as obriga a fazer rotas mais longas e reduz a capacidade global de transporte, o que aumenta significativamente os custos de transporte de mercadorias, o que resulta em aumento direto dos preços globais dos alimentos. Afetando a economia global.

Concluindo a nossa conversa de hoje, o uso de estreitos como alavanca em guerras e conflitos é indiscutivelmente uma das ameaças mais sérias para segurança regional e a estabilidade econômica global. Qualquer interrupção no movimento do fornecimento de energia através dos vários estreitos marítimos, especialmente o Estreito de Ormuz, causa um aumento acentuado nos preços do petróleo e do gás, interrompe as cadeias de suprimentos e enfraquece o crescimento das principais economias, especialmente na Ásia e na Europa.

Nesse sentido, o uso político dos estreitos os transforma em pontos de estrangulamento estratégicos, refletindo a fragilidade do sistema econômico global diante das crises geopolíticas, destacando a importância da diversificação das fontes de energia e do fortalecimento da cooperação internacional para garantir a navegação nas rotas marítimas. Temos como exemplo recente os gasodutos ligando o gás russo ao mercado consumidor europeu.

É imperativo evitar um novo capítulo ruim da geopolítica energética