Asean: História, Cúpula e Desafios.

Lula e Trump devem se encontrar entre os dias 26 e 28 de outubro na Cúpula da Asean, mas você sabe o que é a Asean? O bloco que se fosse um único país seria a quinta maior economia do mundo, com um PIB de quase 4 trilhões de dólares, mais de 680 milhões de pessoas com previsão para ser a quarta maior economia até 2050.

História

 

Associação de Nações do Sudeste Asiático, o bloco que reúne os dez países que ficam entre a Índia e a China: Brunei, Camboja, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Singapura, Tailândia e Vietnã. Criada em 1967, no auge da Guerra Fria, o órgão já nasceu pragmático. Um budista tailandês, um cristão das Filipinas, um muçulmano da Indonésia e outro da Malásia, e um hindu de Singapura fundaram a Asean, mesmo com inúmeras questões entre si, devido ao medo do crescimento do comunismo na região.

A organização tomou forma mesmo em 1976, quando se viram abandonados pelo ocidente pelo que ficou conhecido como “Síndrome do Vietnã”, após a derrota dos Estados Unidos na Indochina, ao notarem que dependeriam apenas da união entre eles para sobreviver da ameaça de células terroristas em seus territórios.

Nos anos 70, as cinco nações buscaram negociar reconhecimento de Pequim como a única China em troca do fim do incentivo às cédulas comunistas locais. Com o fim das interferências estrangeiras, seja do ocidente, seja dos comunistas, o foco em estabilizar a região foi o segundo êxito memorável da Asean. Nos anos 80, conseguiu não somente agrupar países comunistas anteriormente vistos como ameaça, casos de Vietnã e Laos, como também intermediou o fim da ocupação vietnamita ao Camboja e os agregou ao bloco, inicialmente criado para combatê-los.

O bloco ganhou uma importância renovada nos anos 90, período em que a globalização estava emergindo como a narrativa principal que impulsionaria o sistema internacional. Isso levou a um impulso para estabelecer iniciativas regionais e globais abertas e inclusivas. Hoje, a associação, em seus documentos oficiais, alega que seu objetivo central é acelerar o crescimento econômico, promover o progresso social e garantir a paz e a estabilidade regional. Desde 1992, a Asean mantém uma zona de livre comércio, implantada de forma gradual até 2008, e incentiva a integração regional.

Por esse caráter com foco em economia, resolução de conflitos de forma pacífica e por estar em uma região com diversas potências emergentes e conflitantes entre si, a Asean tornou-se essa espécie de “zona neutra” para litígios no Indo-Pacífico e além. Por tudo aqui exposto, faz muito sentido coincidir a ida de Lula e Trump na cúpula do órgão para falar de fortalecimento de laços econômicos e aproveitarem para tentar resolver suas questões bilaterais. A Asean já fez isso antes em conflitos tarifárias entre Japão e Coreia do Sul e Japão e China.

 

3 Princípios

  Não interferência nos assuntos internos dos Estados-membros – cada país mantém plena soberania e evita intervir em questões políticas internas dos vizinhos.

  Respeito à soberania e à integridade territorial – preservação das fronteiras e da independência nacional de cada Estado.

  Decisão por consenso – todas as decisões da ASEAN devem ser aprovadas coletivamente, sem imposição da vontade de uma maioria sobre uma minoria.

2 Conceitos

Asean way – O “ASEAN Way” é o modo característico de funcionamento e tomada de decisões da ASEAN baseado no consenso e diplomacia discreta. Trata-se de um conjunto de princípios e práticas diplomáticas que buscam manter a harmonia entre eles, evitando conflitos abertos.

Asean Centrality – É a ideia de que a ASEAN deve estar no centro das negociações, fóruns e mecanismos de cooperação da região, para evitar que grandes potências (EUA, China, Índia, Japão, Austrália, etc.) determinem sozinhas os rumos do Sudeste Asiático ou consigam criar rachaduras internas.

Exemplos de funcionamento dos princípios e dos conceitos do órgão: Diplomacia ativa e criação frequente de “redes institucionais estratégicas” que lembram uma teia de aranha, assim que ela identifica alguma ameaça, ela desenvolve mecanismos para neutralizá-la:

TPP x Rcep

Nos anos 2010, o TPP (Trans-Pacific Partnership) era o principal projeto comercial liderado pelos Estados Unidos, envolvendo 12 países do Pacífico (incluindo Japão, Austrália, Vietnã, Malásia, etc.).

  • Ao mesmo tempo, a ASEAN liderava outro projeto: o RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership), mais centrado na Ásia e incluindo China, Japão, Coreia do Sul,
  • Em 2017, o presidente Donald Trump retirou os EUA do TPP, alegando que o acordo prejudicava trabalhadores americanos.
  • Sem os EUA, os outros 11 países decidiram continuar o projeto, renomeando-o como CPTPP (Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership).

Isso foi visto como uma grande perda de liderança econômica dos EUA na região.

  • Enquanto o TPP/CPTPP perdia força política, a ASEAN manteve sua liderança no RCEP, que foi assinado em 2020.
  • O RCEP se tornou o maior acordo comercial do mundo, abrangendo cerca de 30% do PIB global e 2,3 bilhões de pessoas.

Ele reforçou o papel da ASEAN como centro da integração econômica asiática — e a China emergiu como o ator mais influente dentro do acordo.

A retirada dos EUA do TPP abriu espaço para a ASEAN e a China consolidarem o RCEP, marcando uma mudança no equilíbrio econômico do Indo-Pacífico, com menos influência americana e maior protagonismo asiático.

 

Foip x aoip

A partir de 2017, o conceito FOIP (Free and Open Indo-Pacific) começou a dominar a agenda regional — promovido por EUA e Japão para conter o avanço da China.

A ASEAN percebeu que:

  • O FOIP poderia dividir a região, forçando países a escolher lados;
  • Mas ignorar o conceito também era arriscado, porque o termo “Indo-Pacífico” já havia se tornado a nova linguagem da geopolítica mundial.

Por isso, a ASEAN optou por uma estratégia diplomática inteligente:

m 2019, duraAOIP ,

  • Apropriar-se do conceito “Indo-Pacífico”, um
  • Transformá-lo de uma ideia geopolítica (FOIP) em uma visão cooperativa e inclusiva.

 

FOIP – Indo-Pacífico Livre e Aberto

Defende uma ordem baseada em regras, livre navegação marítima e resistência à coerção chinesa.

Promove valores como democracia, mercado livre e transparência.

Tem um forte componente estratégico e de segurança, articulado principalmente pelos EUA, Japão, Austrália e Índia (o chamado Quad).

Na prática, busca conter a influência da China na Ásia.

 

AOIP – Perspectivas da ASEAN sobre o Indo-Pacífico

É a resposta diplomática da ASEAN à narrativa FOIP.

Defende uma visão inclusiva, não confrontacional e centrada na ASEAN.

Foca em cooperação econômica, conectividade, desenvolvimento sustentável e diálogo — sem excluir a China.

Reforça o princípio da centralidade da ASEAN , ou seja, a ideia de que a ASEAN deve ser o centro da arquitetura regional .

EUA e Japão: Aceitaram o AOIP como uma versão “suave” do FOIP, porque mantém o foco no Indo-Pacífico.

China: Enfrentando usa uma linguagem de cooperação semelhante ao do Iniciado

Assim, a proliferação de instituições proporcionou à ASEAN mais opções estratégicas para lidar com grandes potências e alimentou uma divisão implícita de trabalho entre as instituições. Por meio da diversificação institucional e da divisão institucional do trabalho, ela criou essa “rede institucional estratégica” onde cada instituição possui sua própria estratégia institucional e tende a desempenhar um papel central na administração de conflitos ou eventuais disputas geopolíticas bem como servir de palco para atender seus interesses nacionais dos Estados-membros.

Além disso, à medida que a divisão do trabalho se consolida, é provável que as estratégias institucionais da ASEAN e das instituições lideradas pela ASEAN se tornem mais persistentes, hoje são mais de mil reuniões anuais entre os mais diversos setores e assuntos. Dessa forma, cria-se o “Asean way” para manter a “Asean Centrality”.

 

A Cúpula

 

Nos anos 90, as nações notaram desde cedo que a estabilidade do Sudeste Asiático não pode ser garantida isoladamente, e que não há divisão entre política, economia, segurança e relações internacionais. E por isso, precisam adotar uma abordagem proativa e desenvolver uma capacidade de detecção precoce de quaisquer crises emergentes que possam impactar seus interesses comuns.

A Cúpula da ASEAN de 1992 decidiu expandir sua agenda institucional, incluindo questões políticas e de segurança nos fóruns da ASEAN. Em suma, a ASEAN, como o núcleo do multilateralismo regional, abrangendo pequenas, médias e grandes potências na região, tornou-se o centro diplomático do Leste Asiático. No entanto, o ambiente estratégico criado pela ASEAN por meio da construção da arquitetura multilateral regional no Leste Asiático vem mudando gradualmente devido à competição estratégica emergente entre a China e os Estados Unidos.

Por isso, criaram o TAC – Tratado de Amizade e Cooperação, um mecanismo que prevê os princípios de não interferência, solução pacífica de disputas e cooperação para desenvolvimento econômico, social e cultural, e a partir de 1987, resolveram estabelecê-lo como pré-condição para nações extrabloco possuírem algum tipo de relação com a Asean. Os Estados Unidos assinaram em 2009 e o Brasil em 2012, são 57 países que o fizeram até o momento.

Ele coage nações que queiram interver politicamente nos membros da Asean, caso algum se sinta ameaçado, ele pode acionar o TAC dentro da Asean e seus membros podem estudar medidas contra essa nação externa, em última instância, podendo até excluí-lo economicamente do subcontinente. Lembrando que trata-se de uma região especializada desde produtos têxteis à semicondutores.

Funcionamento:

Uma Cúpula regular, normalmente no primeiro semestre, focada em temas internos da ASEAN.

Uma Cúpula ampliada (ASEAN Summit + partners), geralmente no segundo semestre, que inclui reuniões com parceiros externos (como China, Japão, Índia, EUA, Austrália etc.).

Uma Cúpula ampliada (ASEAN Summit + partners), geralmente no segundo semestre, que inclui reuniões com parceiros externos (como China, Japão, Índia, EUA, Austrália etc.).

O país que exerce a presidência rotativa da ASEAN organiza o evento e define o tema e prioridades anuais, por ex: malasia – inclusão e sustentabilidade

A presidência da ASEAN é rotativa anualmente entre os Estados-membros, seguindo a ordem alfabética dos nomes em inglês dos países.

 

Durante a semana da cúpula, ocorrem diversos encontros paralelos, como:

Tipo de reunião Participantes Foco
ASEAN Summit (principal) Líderes dos 10 países membros Questões internas da ASEAN
ASEAN+1 Summits ASEAN + 1 parceiro (ex: ASEAN–China, ASEAN–EUA, etc.) Relações bilaterais bloco-parceiro
ASEAN+3 Summit ASEAN + China + Japão + Coreia do Sul Integração econômica e cooperação no Leste Asiático
East Asia Summit (EAS) ASEAN + parceiros estratégicos (EUA, Rússia, Índia, Austrália, Nova Zelândia, China, Japão, Coreia do Sul) Questões de segurança e governança regional
ASEAN Business & Investment Summit (ABIS) Líderes + empresários e investidores Cooperação econômica e investimentos
ASEAN Foreign Ministers’ Meeting (AMM) Chanceleres Preparação diplomática e coordenação política

 

Alguns fóruns merecem especial atenção:

  O ASEAN Regional Forum (ARF) é realizado uma vez por ano, geralmente entre julho e agosto.

Ele ocorre junto à ASEAN Ministerial Meeting (AMM) — a Reunião dos Ministros das Relações Exteriores da ASEAN.

Aqui é um belo exemplo da forma como a Asean trabalha:

  • A Índia tornou-se membro do ARF em 1996.
  • O Paquistão entrou logo no ano seguinte para a região ser vista como neutra e manter o equilíbrio regional
  • EUA foram convidados e integraram o ARF desde os primeiros anos (1994), como potência global com forte presença na Ásia-Pacífico.
  • Rússia (então União Soviética já dissolvida, Federação Russa) foi convidada logo depois, em 1995, para equilibrar a presença dos EUA no fórum.

Esse é um padrão deliberado da ASEAN para que o fórum seja visto como legítimo, multilateral e inclusivo, evitando dominação por qualquer potência.

O ARF é o principal fórum de segurança e diplomacia preventiva da região. As discussões do ARF servem de base para as decisões políticas posteriores da Cúpula da ASEAN e da East Asia Summit (EAS). O ARF reúne os Ministros de Relações Exteriores, enquanto o East Easi Summit, os Chefes de Estado.

A Reunião de Ministros das Relações Exteriores da ASEAN (AMM) é um dos principais mecanismos da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Ela serve como a principal plataforma onde os ministros das Relações Exteriores de todos os dez estados-membros da ASEAN (agora onze, com Timor-Leste como observador, rumo à adesão) se reúnem para coordenar a política externa , analisar os desenvolvimentos regionais e globais e definir a direção das relações externas da ASEAN . No início da década de 1990, a AMM era a única instituição da ASEAN que realizava regularmente reuniões ministeriais para discutir questões políticas e de segurança.

O ADMM-Plus(dizerReunião dos Ministros da Defesa da ASEAN Plus) é o principal fórum de cooperação em defesa e segurança. Elee é uma extensão do ADMM — o ASEAN Defence Ministers’ Meeting, ou Reunião dos Ministros da Defesa da ASEAN — e tem como objetivo aprofundar o diálogo e a cooperação militar entre os países do Sudeste Asiático e as grandes potências da região Indo-Pacífica.

O ADMM-Plus principais fóruns de segurança do Indo-Pacífico e busca:

  • Promover confiança e transparência entre forças armadas da região.
  • Coordenar respostas a desafios de segurança comuns, como terrorismo, pirataria, desastres naturais e cibersegurança.
  • Estimular a cooperação prática por meio de exercícios militares conjuntos, treinamentos e intercâmbio de informações.
  • Reforçar a centralidade da ASEAN

Diferentemente da ARF, a adesão ao ADMM-Plus limita-se a estados regionais do Leste Asiático que compartilham preocupações de segurança semelhantes e, portanto, é mais fácil para o ADMM encontrar áreas de cooperação.  A AMM e a Cúpula da ASEAN conduzem o equilíbrio institucional; o ARF e o EAS são ferramentas de proteção institucional. e o ADMM e o ADMM-Plus conduzem o equilíbrio institucional e a cooptação institucional, respectivamente, mas juntos funcionam como proteção institucional.

Os fóruns funcionam como uma ferramenta para a ASEAN avaliar a reação das grandes potências, tomando uma posição diplomática provisória e alguma ação, como a emissão de declarações e declarações conjuntas. Ao fazer isso, a ASEAN como um todo pode formular uma postura e ação diplomática mais concretas para moldar suas relações com as grandes potências. A Cúpula da ASEAN desempenha então um papel na consolidação da postura e ação da ASEAN por endosso, alterando-as por correção ou simplesmente minimizando-as ou ignorando-as.

 

Participação do Brasil

Para além da presença de Lula e Trump, o Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa e o Primeiro-Ministro indiano Narendra Modi. O Presidente da China, Xi Jinping, aparentemente não comparecerá à cúpula, tendo visitado a Malásia em abril, e a China será representada pelo Primeiro-Ministro Li Qiang. A presença de Putin está em aberto.

O Brasil tem buscado aproximar-se da ASEAN desde os anos 2010

Assinou o tac em 2012, no ano que virou parceiro de dialogo, O Tratado de Amizade e Cooperação (TAC) é vital para a paz e prosperidade no Sudeste Asiático, pois estabelece princípios de não interferência, solução pacífica de disputas e cooperação para desenvolvimento econômico, social e cultural

Em agosto de 2022, o Brasil obteve o status de Sectoral Dialogue Partner da ASEAN

Ainda em 2022, foi realizada a primeira reunião do ASEAN-Brazil Joint Sectoral Cooperation Committee (AB-JSCC), no secretariado da ASEAN em Jacarta.

Embora o status de Sectoral Dialogue Partner permita cooperação em vários setores, isso não equivale a um “parceiro de diálogo pleno” ou membro com poder decisório nas cúpulas da ASEAN. O Brasil ainda não alcançou esse nível de engajamento.  O Brasil não é parceiro de diálogo da ASEAN, portanto não tem assento oficial nessas cúpulas.

 

Sectoral Dialogue Partners

Brasil

  Emirados Árabes Unidos (UAE)

  Noruega

  Paquistão

  Suíça

  Turquia

  Marrocos

Membros Plenos:

Australia

Canada

China

India

Japan

European Union

Korea

Russia

United States

 

Desafios

Disputa EUA–China no Indo-Pacífico: manter a centralidade

Os Estados Unidos são os principais em investimento direto no bloco, chegando a US$ 74 bilhões, representando um terço do total da ASEAN. Enquanto o comércio bilateral com a China está para bater a casa do trilhão de dólares por ano.

Conflitos no Mar do Sul da China: tensões territoriais afetam diretamente países-membros (Filipinas, Vietnã, Malásia, Brunei).

Situação interna de Mianmar: o golpe militar de 2021 e a crise humanitária desafiam o princípio de não interferência e expõem limites do bloco

 

A inação da ASEAN pode levá-la à irrelevância, e para manter a relevância e a centralidade, a ASEAN deve abraçar e aceitar a realidade da mudança. Em um ambiente regional cada vez mais incerto e em constante mudança, a ASEAN deve desenvolver uma perspectiva que considere a mudança geopolítica e geoeconômica como uma característica permanente.

 

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