A mulher e a nação
A mulher e a nação: Um mapa da questão de Sylvia Walby, trata de uma profunda análise do papel e da importância da luta feminina na história da humanidade. Segue abaixo resumo e resenha dessa leitura altamente recomendável :
Resumo:
A literatura sobre as nações e o nacionalismo raramente aborda a questão do sexo, a despeito do interesse geral na participação diferencial dos vários grupos sociais nos projetos nacionalistas. A maioria dos textos sobre o nacionalismo não leva em conta o sexo como uma questão de peso.
Na introdução de seu livro,ll Yuval-Davis e Anthias sugerem que há cinco grandes maneiras de as mulheres se envolverem nos processos étnicos e nacionais:
(a) como reprodutoras biológicas dos membros de coletividades étnicas;
(b) como reprodutoras das fronteiras dos grupos étnicos ou nacionais;
(c) como tendo uma participação central na reprodução ideológica da coletividade e como transmissoras de sua cultura;
(d) como significantes de diferenças étnicas/nacionais, um foco e um símbolo dos discursos ideológicos usados na construção, reprodução e transformação das categorias étnicas/nacionais;
(e)como participantes das lutas nacionais, econômicas, políticas e militares.
O livro mostra a importância de fatores demográficos, como a taxa de natalidade, para alguns projetos étnicos/nacionais, do que decorre a pressão exercida sobre as mulheres, em momentos historicamente específicos, para que tenham ou não tenham filhos para o bem da nação ou da “raça”.
Como aponta Lepervanche em seu estudo sobre a Austrália, onde as brancas foram incentivadas a gerar mais filhos e as negras, a não gerá-los. E Yuval-Davis mostra questões similares nos projetos dos nacionalistas israelenses e palestinos. A flexibilidade do discurso sobre a maternidade, em vez de sua fixidez biológica, é o tema da comparação de Gaitskell e Unterhalter sobre as mudanças ocorridas na ideia de maternidade no nacionalismo sul-africano e no Congresso Nacional Africano ao longo do século XX.
Assim, pode-se esperar que os conflitos étnicos/nacionais beneficiem diferencialmente os interesses dos membros desse grupo. Os diferentes sexos (e classes), por conseguinte, podem ter um entusiasmo diferenciado em relação ao projeto étnico/nacional declarado, dependendo do grau em que concordem com as prioridades dos “líderes” políticos desse projeto.
O projeto nacional pode afetar diversamente mulheres e homens (bem como subgrupos deles) e, desse modo, gerar diferentes graus de entusiasmo. (…)as lutas pela emancipação das mulheres foram uma parte essencial e integrante dos movimentos de resistência nacionais. Em muitos países, os períodos de reforma coincidiram com tentativas de desenvolver o capitalismo e de aproveitar a oferta de mão-de-obra feminina barata na produção fabril e no setor de serviços da economia. Por exemplo, a imagem das mulheres dos países colonizados foi comumente construída e fornecida de um modo que ao mesmo tempo as erotizava e tornava exóticas, enquanto justificava a dominação imperialista em nome da “civilização”.
A argumentação de Enloe sobre a significação do sexo para as questões da nação e do sistema internacional é frequentemente conduzida através de uma análise da sexualidade. É o que acontece quando ela discute a indústria internacional do turismo, o cinema hollywoodiano, o papel das mulheres nas bases militares, trabalhando como prostitutas, e as mulheres que são esposas de diplomatas.
Existem seis delas: produção doméstica, emprego, Estado, violência, sexualidade e cultura. Essas estruturas podem articular-se de maneiras variadas, criando diferentes formas de patriarcado. Podem-se distinguir duas formas principais dele: o privado e o público. O patriarcado privado caracteriza-se pela dominação das relações patriarcais dentro de casa. O patriarcado público é dominado pelo emprego e o Estado. No patriarcado privado, o modo de expropriação da mulher é individual, por seu marido ou seu pai. No patriarcado público, ele é coletivo, através de muitos homens agindo em comum.
Nos Estados Unidos, o hiato cobre bem mais de cem anos, de 1840 até o fim da década de 1960. Na Grã-Bretanha, o intervalo foi mais curto: poucas décadas separaram o sufrágio dos homens adultos do de todas as mulheres, em 1928.
O sexo, a etnia e a classe têm relações diferentes com a “nação”, o Estado e as instituições supranacionais semelhantes a Estados. Isso se deve a que os determinantes do sexo, classe e etnia são diferentes. Podemos ver um exemplo disso no desenvolvimento da CEE (Comunidade Econômica Europeia).
Faz muito tempo que as instituições centrais da CEE apoiam a prática das “oportunidades iguais”, elas foram formalmente incorporadas à CEE pelo Tratado de Roma, que funciona eficazmente como uma constituição da CEE supranacional, essas regras formais foram postas em prática, em parte, através da ação de alguns dos funcionários da CEE.
Também sucede, obviamente, que não é do interesse dos países que institucionalizaram práticas de igualdade de oportunidades permitir que outros continuem a empregar uma mão-de-obra feminina subalterna, que poderia prejudicar suas indústrias.
Alguns Estados nacionais recalcitrantes foram chamados à ordem pelo uso de sentenças do Tribunal Europeu e por diretrizes de comissões da CEE, com consequentes alterações em sua legislação nacional. Usaram seu direito de veto para impedir que a CEE estendesse uma política de oportunidades iguais às licenças de maternidade e paternidade e aos trabalhadores que não têm horário integral. Portanto, as medidas políticas do governo do Reino Unido quanto ao sexo têm afetado o funcionamento de toda CEE.
Quanto maior a perda da independência do Estado britânico perante a CEE, maior tem sido e tende a ser o fortalecimento da legislação e das práticas da igualdade de oportunidades. Nesse aspecto, as mulheres têm interesse na diminuição da soberania britânica.
Evans mostra que a primeira onda de feminismo não ocorreu apenas em países europeus, inclusive a Rússia, e também na Austrália e na América do Norte; houve organizações feministas internacionais. Entretanto, a “acusação” de que o feminismo e o movimento das mulheres na esfera pública são ocidentais não deve ser subestimada.
Saber se ela é verdadeira ou falsa não reduz, necessariamente, o peso dessa afirmação no contexto das lutas nacionais. Se as elites masculinas têm ou não a possibilidade de caracterizar a presença pública das mulheres como uma característica ocidental constitui, muitas vezes, uma questão da luta local. Além disso, o sentido de “ocidental” é variável.
O sexo não pode ser analisado fora das relações étnicas, nacionais e “raciais”, nem tampouco podem estes últimos fenômenos ser analisados sem o sexo. Não se trata simplesmente de adicionar esses dois conjuntos de análises, mas do fato de que eles se afetam mutuamente numa relação dinâmica.
Os padrões das relações entre os sexos às vezes assumem as mesmas unidades espaciais da classe e da etnia, da nação e da “raça”, porém, com frequência não o fazem. O projeto nacional ou étnico tem que ser disputado por forças sociais diferenciadas sob muitos aspectos, sobretudo pela classe e pelo sexo. Assim, as relações entre as nações são, em parte, o produto de muitas lutas sexuais específicas de um lugar.
A luta pela cidadania é hoje um projeto democrático. No discurso político popular, ela implica a plena participação de todos os adultos, independentemente de “raça”, etnia, sexo ou credo. Ela é também um projeto nacional e, a rigor, um projeto mediante o qual a “nação” procura obter legitimidade aos olhos dos habitantes do país e da “comunidade internacional”.
Os cientistas sociais devem prestar atenção ao novo sentido do termo cidadão, em vez de se aterem à restrita noção utilizada nas antigas cidades-estados gregas, das quais as mulheres, os escravos e os “estrangeiros” eram excluídos.
Resenha:
Sylvia Walby faz uma reflexão a respeito do lugar da mulher nos projetos nacionalistas. Para a ela, o nacionalismo é um projeto que afeta homens e mulheres de maneira diferenciada. Ela faz uma crítica ao modo pelo qual as teorias que se ocupam do tema nacional negligenciam o sexo em suas abordagens.
A autora sugere uma modificação no modo de interpretação da participação das mulheres no projeto nacional. Sua argumentação principal está baseada no “envolvimento feminino diferenciado” e sua sugestão é pensar os homens e as mulheres não como blocos homogêneos, mas subdivididos por interesses distintos e contextuais.
Walby discute que mulheres e homens não partilham a mesma identidade grupal, tampouco o mesmo projeto nacional e, por essa razão, mulheres e homens “podem ter compromissos diferentes com diferentes tipos de grupos no nível macrossocial”, é provável que, pelo fato de as mulheres estarem à margem do poder, suas vozes sejam menos ouvidas que a dos homens.
Dessa forma, os papéis de gênero são importantes para a própria definição do projeto nacional. Nessa mesma esteira de pensamento, Walby coloca que “o sexo, a etnia e a classe têm relações diferentes com a nação”.