A “nova direita” e a suposta neutralidade como refúgio.
A tônica do momento é alegar neutralidade para evitar expor as brechas de um posicionamento. Quando Bolsonaro anuncia que fará um governo não ideológico e se alinha e elogia publicamente EUA e Israel, obviamente que ele está mudando a ideologia vigente para uma mais “ocidental”, e aqui não há o menor juízo de valor nisso, o foco é o acobertamento teórico para uma blindagem conceitual.
Ora, é muito simples, quando você “toma um lado”, você fica exposto aos pontos negativos dele e refém de outros líderes que têm o mesmo posicionamento, lançar uma cortina de fumaça e criar uma retórica de nulidade, te desvincula de terceiros e faz com que você seja o fator único, se blindando de eventuais problemas que o “pacote” ideológico possa trazer consigo.
Como toda estrutura, o exemplo tem que vir de cima, e esse tipo de movimento do eleito já refletiu em seus eleitores. Com as recentes suspeitas de corrupção de assessores, os eleitores de Bolsonaro passaram a usar a mesma tática, as afirmações são “se errou tem que pagar”, “vamos esperar o parecer da justiça”, e as duas mais absurdas “onde estava o COAF no governo PT?” e “Não dá para comparar com o roubo do PT”.
Note que as diferentes alegações possuem a mesma origem: suposta imparcialidade, mas que é totalmente parcial, assim como no “não alinhamento ideológico” do Presidente. Alegar que deseja justiça mas imediatamente levantar dúvidas de um órgão, se mostrar paciente e pacífico pelo judiciário ou comparar com o governo anterior, já é um ato não isento, pois visa de alguma maneira deslegitimar, ou no mínimo, atenuar as denúncias.
E por que dizer que esperar pelo judiciário é tomar partido? Muito simples, tirando os petistas assumidos, todo brasileiro estava (e ainda está) exausto com os escândalos de corrupção e afins, tanto é que, desde 2013 tem ido às ruas (o que já demonstra um primeiro ato de tomada de decisão, ou seja, não esperar por ninguém). Quando os protestos pró impeachment começaram (e vale a pena lembrar que é praticamente o mesmo público que foi às ruas pedindo a saída da Dilma inúmeras vezes e quem votou no Bolsonaro), as pessoas diziam “chega” (um segundo movimento indicando ação) e gritavam palavras de ordem contra tudo que simbolizava a “esquerda” (terceiro indicativo de agir sem esperar por ninguém).
Por isso que, quando os bolsonaristas trocam o “eu” ativo pelo “eles” passivo, quando substituem o “vamos” pelo “apurem”, quando saem da batalha do “nós não vamos permitir” e entram no conformismo do “vamos ver o que eles vão fazer”, deixam claro a mudança de postura de acordo com a conveniência. A mudança da narrativa da primeira pessoa para a terceira demonstra claramente que um lado já foi tomado, disfarçando-o sob o véu da isenção. A não imediata condenação moral como fizeram por anos e a terceirização da responsabilidade de apuração ratificam a óbvia tática de tentar se livrar do ônus de um posicionamento que amanhã ou depois possa atestar a hipocrisia barata.
Tática essa que é visível e notória em outra frase clássica dos mesmos, a “não temos bandidos de estimação”, se a intensidade da recepção das notícias de escândalos varia de acordo com o corrupto envolvido, infelizmente, isso é sim uma estima a bandidos, e o pior de tudo, coisa de petista.
Sim, por ironia do destino, os bolsonaristas viraram os novos petistas: ignoraram, diminuem, relativizam o que incomoda, desconfiam dos órgãos oficiais do país quando esses apontam o que não querem, não aceitam que seus líderes possam ser corruptos, atacam quem pensa diferente e deturpam os argumentos quando o cenário não está favorável.
Quando um bolsonarista é chamado de petista por seu fanatismo cego, ele costuma esbravejar, entre outros argumentos, alegando que o “senso de proporcionalidade de quem diz isso é ridículo” pois “o PT roubou milhões e ficou mais de dez anos no poder”. Conforme dito anteriormente, essa deturpação do argumento antagônico é rotineira, neste caso, a distorção é gritante, afinal, o foco na comparação é a reação subjetiva de cada governado e não a ação objetiva de cada governante.
Ironicamente, é com o uso da neutralidade que a falsa imparcialidade cai por terra e as contradições aparecem. Ao conversar com essas pessoas, busque comentar fatos conhecidos ou não por elas substituindo as pessoas, os partidos, os órgãos por X, Y e Z. Exemplo, mude o “Você viu que um assessor do filho do Bolsonaro foi flagrado pelo Coaf movimentando mais de um milhão em um ano?”, para o “Um assessor de um político foi flagrado por um órgão fiscalizador movimentando mais de um milhão, o que você acha disso?” e a mágica acontecerá.