China, Xinjiang e os Uigures

História

O desmantelamento da URSS e o surgimento dos novos estados da Ásia Central no começo dos anos 90 foram acompanhados de um período de crise generalizada na região. Conhecidos como os ‘-stãos’, Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e Turcomenistão, os novos países compartilham laços históricos, culturais, religiosos e linguísticos.

Mas dividiriam também o sofrimento dos problemas causados por vácuo de poder político e incertezas sociais e econômicas, assim como, com questões geopolíticas localizadas. A região que no passado foi um importante centro do pensamento islâmico, que se consolidou como elemento central na formação indenitária das populações locais e foi amplamente suprimida no período czarista e soviético, de repente tinha toda a liberdade do mundo para lutar por reconhecimento e se firmar como parte da sociedade.

Na Região Autônoma Uigur de Xinjiang, a liberalização de práticas culturais e religiosas para minorias ocorreram no âmbito das reformas de 1978 de Deng Xiaoping, que romperam com a Revolução Cultural que tinha um papel proibitivo similar ao soviético. A área possui população de 23,6 milhões de pessoas, das quais quase 60% são minorias étnicas, incluindo uigures, mongóis, huis, cazaques, quirguizes, xibes, tadjiques, uzbeques, russos e tatares.

Política

Como em toda Ásia Central, é um território rico em recursos naturais, com grandes reservas de petróleo e gás natural. Xinjiang é responsável pela produção de um terço do petróleo, dois terços do carvão, um terço do algodão e de 8% das reservas de ouro, jade e outros metais preciosos da China, além ser um ponto geopolítico de suma importância, um corredor que liga a China ao centro da Ásia de quase 70 milhões, um dos pontos-chave do projeto da Nova Rota da Seda.

A dinâmica étnica e cultural da região está bem mais próxima dos “stãos” do que propriamente à Pequim. Diferentemente dos huis, a maior dentre as minorias muçulmanas chinesas que está dispersa por todo país e integrada culturalmente ao Império do Meio, os uigures são de origem túrquica, falam a língua uigur e se concentram na região de Xinjiang antes mesmo do surgimento do islamismo, no século VII D.C.

Diante desse cenário de com maior liberdade política e individual, e a crescente interação com seus vizinhos, promovendo trocas culturais e religiosas. O pan-islamismo característico da Ásia Central e do Cáucaso começava a penetrar entre os uigures, fazendo nascer um sentimento de “panturquismo” que culminou em uma série de protestos ao longo da década de 1980.

Já a década de 90 seria marcada por revoltas em diversas cidades em Xinjiang. Em 1996 a 2001 o governo respondeu com campanhas nacionais de “combate pesado” contra o crime, acelerando prisões, julgamentos e condenações. Na Organização de Cooperação de Shanghai, em 15 de junho de 2001, pouco antes do atentado aos EUA, a Chin já apontava o terrorismo, o separatismo e o extremismo regional como suas três maiores ameaças à soberania.

Também em 2001, formou, com estados da Ásia Central e com a Federação Russa, a Organização para Cooperação de Xangai, com foco na segurança para combater o terrorismo, o separatismo e o extremismo.

O governo chinês aproveita a oportunidade para igualar esses movimentos ao Talibã e Al Qeda e reprime violentamente todo ato separatista reforçando as fronteiras com seus vizinhos, principalmente Afeganistão e Paquistão.

Em janeiro de 2002, após muita pressão da China, os grupos são colocados oficialmente na lista de grupos terroristas internacionais pelo governo americano como “terroristas do Turquestão Oriental”. A ação precipitada só conseguiu inflar os movimentos ampliando seu alcance até o Oriente Médio.

Após três ataques separatistas na região em 2014, o combate ao terrorismo assumiu centralidade nas políticas do Estado. A partir de então as polêmicas medidas contestadas internacionalmente entraram em vigor, os chamados campos de “reeducação”. Vale ressaltar que muitos uigures seguiram os passos de outros povos centro-asiáticos para a Síria, onde integraram quadros de muitos grupos jihadistas, entre eles o Estado Islâmico.

Em julho de 2019, o novo Livro Branco da China de Defesa Nacional na Nova Era lista os separatismos de Taiwan, Tibete e Xinjiang como as maiores ameaças para a segurança nacional chinesa, reforçando a narrativa que justifica as políticas adotadas em Xinjiang

Mas, como toda ação gera uma reação, os uigures estão vendo o aumento de chineses e da população han como uma tentativa de apagar seus traços culturais. Há também proibição do uso de véus para as mulheres e outros símbolos da fé islâmica, e um forte sentimento de eterna vigilância devido ao uso de câmeras e Inteligência Artificial por parte do governo.

A principal estratégia estabelecida pelo governo no combate ao radicalismo islâmico é promover o crescimento econômico de Xinjiang, partindo da crença de que a melhoria das condições de vida dos uigures levaria à redução dos ímpetos separatistas.

Economia

Segundo o Escritório de Informação do Conselho de Estado chinês, o PIB de Xinjiang aumentou de 791 milhões de yuans (cerca de 115 milhões de dólares) em 1952 para 1,22 trilhão de yuans em 2018, um crescimento médio anual de 8,3%. O PIB per capita aumentou 37,7 vezes com base no ajuste da inflação.

As importações e exportações totais da região ultrapassaram os 20 bilhões de dólares em 2018, a região lidera o país em mecanização agrícola e irrigação eficiente com conservação de água, e se tornou a maior base de produção de algodão da China no mesmo ano.

A indústria terciária serviu como um importante impulsionador do crescimento econômico, que contribuiu com 62,3% desse crescimento no ano, recebeu mais de 150 milhões de turistas nacionais e estrangeiros também em 2018, um crescimento anual de 40%.

O governo gastou 69,59 milhões de yuans para aliviar a pobreza entre 2014 e 2018, com ênfase nas pessoas e no desenvolvimento centrado na subsistência. Mais de 70% das despesas do orçamento público na região foram gastos na melhoria dos meios de subsistência e na melhoria contínua de nove programas de bem-estar com foco em emprego, educação, serviços médicos e seguro social.

A construção da infraestrutura também garantiu uma vida de melhor qualidade para os moradores da região. De janeiro a maio, de um total de 31.900 toneladas de frutas e vegetais exportados da China, Xinjiang foi responsável por pouco mais de 70%. Hoje o Japão importa mais frutas da região do que dos EUA.

Por outro lado, há forte pressão internacional por boicotes de produtos da região devido às denuncias de trabalho forçado, maus-tratos e campos de concentração contra a minoria uigur, a China nega todas as acusações.

Conclusão

Campos contra extremismo existem também em outros países, como Indonésia, Malásia e Rússia. A comunidade internacional precisa unificar o discurso caso queira ser mais assertiva sobre a questão.

Recentemente na ONU, 54 nações elogiaram ou apoiaram as políticas em Xinjiang, e apenas 23 se opuseram. Entre os apoiadores, Arábia Saudita e outros países árabes sunitas, o que enfraquece as vozes contrárias. Claro que há uma desconfiança por parte desses Estados, afinal, possuem a China como grande parceira econômica.

Enquanto isso, a China continua investindo na região. A história mostra que crescimento econômico e bem-estar social costumam acalmar ânimos em regiões com impasses, embora não seja uma regra, vide tensões políticas e sociais na Bolívia pós-eleições do ano passado mesmo diante de um crescimento histórico do país com o Evo na presidência.

Fato é que campos de reeducação ou concentração são mera questão semântica, os organismos internacionais devem criar legislações universais contra esse tipo de medida caso realmente achem a prática nociva e queiram extingui-la. Pressionar a China e ignorar denúncias contra outros países, como a política contra muçulmanos da Índia na Caxemira, servirá apenas para politizar a situação enquanto o povo local continua esperando por respostas.

Não há muito mais do que isso a se fazer, afinal, a China não vai aceitar nenhuma ingerência externa mais significativa sobre autonomia ou separação de uma região que compreende cerca de 17% do seu território, é o grande ponto de contato e comércio com a Ásia Central, área que ainda tem muito a se desenvolver e é o corredor terrestre principal do seu projeto que deverá ser o marco da China como principal potência econômica do mundo.