Uma Guerra sem vencedores – por Luis Rutledge

*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e possui pós-graduação em MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especializando-se em geopolítica energética. Possui 16 anos de experiência em Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento entre a UFRJ e o CENPES/PETROBRAS. Realiza, estudos e análises de geopolítica energética, atuando em eventos do setor. Atualmente, assina colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área.

 

Uma Guerra sem vencedores

Após o primeiro mês de destruição e mortes, pesadas sanções aos cofres russos e infrutíferas reuniões entre líderes mundiais, algumas análises já podem ser feitas a respeito da guerra na Ucrânia. Uma delas, este conflito será o estopim para uma mudança na geopolítica mundial.

O fim da guerra fria nunca foi um prelúdio de paz eterna, no entanto, seria impensável imaginar em pleno século XXI um país ser literalmente tomado pelo vizinho e sua população escorraçada de seus lares de forma tão cruel. Após este conflito de grande enfrentamento bélico e pueril em pensamentos ideológicos, poderemos vivenciar uma ruptura global bem nítida entre democracias, representadas por EUA e países da União Europeia, e grupos autocratas formados por Rússia, China e, por que não, a pobre Venezuela.

A Rússia que sempre possuiu um viés expansionista, desta vez, está muito bem personificada na figura de Vladimir Putin. Desde a desintegração da União Soviética em 1991, um sentimento de perda paira sobre uma parcela do povo russo e a atual cúpula do poder. E Putin, nunca deixou este sentimento morrer. Há mais de duas décadas no poder, o presidente russo nunca escondeu o desejo de reconquistar territórios perdidos e conter os avanços da OTAN.

O líder russo, após um início de guerra avassalador, justificou seus atos com discursos nacionalistas e argumentando estar defendendo suas fronteiras do avanço do Ocidente e desnazificando a Ucrânia. No entanto, com o passar do tempo e os reflexos da guerra, uma pressão interna já é presente nos gabinetes mais próximos à mesa de Putin. Oligarcas do círculo íntimo do presidente têm demonstrado insatisfação com as sanções impostas pela União Europeia e EUA.

Este ambiente negativo ao líder russo tende a crescer à medida que as lentas negociações diplomáticas entre Rússia e Ucrânia não causarem efeito imediato e as sanções que atingem duramente a economia se tornarem desproporcionais. O rublo, moeda russa, despencou, o mercado de commodities irá diminuir e importantes empresas, acompanhando as sanções impostas, estão fechando as portas e saindo do país. Isto, sem citar que o atual conflito bélico, segundo analistas militares, poderá se prolongar por mais alguns meses aumentando substancialmente custos de guerra e mortes de jovens russos.

Em termos geopolíticos, a manutenção dos acordos comerciais com a China se tornará essencial para uma economia minimamente ativa, além da segurança estratégica de um aliado forte. Sem ter em conta o resultado da guerra, Putin terá que justificar o injustificável em sua TV estatal. Em outro extremo, o atual conflito no Leste Europeu fez a OTAN emergir de um ostracismo recente. A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar internacional formada em 4 de abril de 1949, inicialmente foi criada para conter o avanço da ideologia socialista e disseminação do comunismo.

Após a dissolução da União Soviética, em 1991, o propósito principal da existência da OTAN se desfez e o foco da Aliança do Ocidente mudou. Muitos analistas políticos e estrategistas militares consideram que a organização perdeu a razão de sua existência, ao abdicar de sua missão e optar por uma GEOPOLÍTICA ENERGÉTICA política expansionista militar cada vez mais próxima do território russo. Desta forma, ao agregar cada vez mais países, especialmente os bálticos, Lituânia, Letônia e Estônia – que pertenceram à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) entre 1940 e 1991 -, e executar outras ações de expansão para a Europa Central e o Leste Europeu, a OTAN forneceu argumentos sólidos e justificáveis, segundo Putin, para uma invasão russa ao território ucraniano.

Cronologicamente, a primeira expansão da OTAN ao leste europeu se iniciou, em 1999, quando Polônia e República Tcheca foram incorporadas. Em seguida, em 2004, Romênia, Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Letônia e Lituânia entraram no grupo do Ocidente. Albânia, Croácia, Montenegro e Macedônia do Norte completaram o grupo existente até o presente momento. Uma grande interrogação permanece até os dias de hoje. Por que a inclusão de países bálticos e ex-repúblicas soviéticas da Lituânia, Letônia e Estônia na OTAN? Uma aproximação territorial não incentivaria exercícios bélicos no Mar Báltico? Na recente geopolítica da região, treinamentos militares entre forças militares da Aliança Ocidental e a marinha russa são constantes. Em 2017, navios das marinhas russa e chinesa realizaram exercícios no Mar Báltico nas margens da Estônia, Letônia e Lituânia.

Esses movimentos militares, após a anexação da Crimeia, foram mensagens claras do quanto crescia uma indignação russa em relação à prepotência do Ocidente. Portanto, ao analisarmos o papel da OTAN no atual conflito, verificamos que houve uma extrema dificuldade em interpretar os fortes recados de Putin, e logo após, conter diplomaticamente o avanço dos tanques russos. São aguardadas para o início do próximo mês mais sanções econômicas contra Rússia e reuniões diplomáticas entre Ucrânia e Rússia. Diante disso, precisamos nos perguntar, novamente, por qual razão a OTAN não sucumbiu após o desmantelamento da URSS.

Um dos fortes motivos está diretamente relacionada com a Geopolítica Energética. Atualmente, o sistema global de energia envolve nações produtoras e consumidoras de óleo e gás, além de rotas marítimas do Mar Báltico, Mediterrâneo Oriental, Golfo Pérsico, Estreito de Malaca entre Indonésia e Malásia e outras não menos importantes rotas. Desta forma, malhas de gasodutos interconectadas, principalmente na União Europeia, são estratégicas e essenciais para a segurança energética de todo continente europeu. Sem energia não existe crescimento econômico.

Portanto, preservar a segurança do fluxo energético e de suas rotas se torna estratégico quando a dependência por uma determinada fonte está presente. Por isso, observamos neste primeiro mês de conflito a manutenção da infraestrutura de distribuição de gás natural através dos modais existentes. Não houve uma ruptura imediata do fluxo energético por nenhuma das partes envolvidas direta e indiretamente no conflito. Apenas projeções e propostas por uma autossuficiência energética futura. Tanto a Rússia de Vladimir Putin quanto a União Europeia, representada por Ursula von der Leyen, compreendem que as duas partes sairiam perdendo nesta queda-de-braço.

A economia russa é extremamente dependente deste comércio. O fornecimento de quase 40% da importação total da UE gera em torno de 600 milhões de euros por dia aos cofres russos. No entanto, neste momento, os europeus são mais dependentes do petróleo e do gás natural russo e possuem na Europa Central e Leste Europeu sua maior dependência e infraestruturas desenvolvidas para abastecimentos oriundos da Rússia.

A Rússia aposta num estreitamento comercial ainda maior com a China e parte do mercado asiático, e está apostando suas fichas nesta parceria comercial no caso de se fecharem as portas europeias. Para a União Europeia soluções emergenciais surgiriam de aumento de produções de óleo e gás de seus parceiros políticos, especialmente EUA. Isto posto, a energia continua conectando os países, mesmo em lados opostos. As imagens abaixo apresentam: a infraestrutura da malha de gasodutos do continente europeu e suas conexões com a Rússia e Norte da África e as rotas de trânsito marítimo com os principais gargalos físicos navegáveis (choque points), por onde passam grande parte do comércio internacional de petróleo.

 

*Malha de Gasodutos – Fonte: ENTSOG

 

*Rotas de trânsito marítimo – Fonte: EIA

 

Luis Augusto Medeiros Rutledge
Analista de Geopolítica Energética
rutledge@eq.ufrj.br

 

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