O Partido Comunista do Vietnã e os “super-ricos”

O Vietnã tem enfrentado um dilema comparável ao chinês: como um país comunista/socialista lida com bilionários? Quando um sistema desse tipo usa o mercado para alavancar sua riqueza, e como contrapartida, cria os chamamos “super-ricos”, como atuar para diminuir as contradições sem ser afetado por suas próprias ações?

Em comparação com a repressão liderada pelo Partido Comunista chinês contra empresários e negócios privados, os magnatas do Vietnã até agora tiveram uma vida comparativamente fácil sob o governo comunista de Hanói.

Recentemente rumores circularam nas mídias sociais de que Pham Nhat Vuong, o homem mais rico do Vietnã e presidente do Vingroup, maior conglomerado do país, estava em apuros com as autoridades e estava proibido de viajar para o exterior.

Isso alimentou a especulação de que ele logo seria vítima da campanha anticorrupção do governo vietnamita. A operação chamada de “fornalha em chamas”, lançada em 2016, derrubou milhares de funcionários públicos e membros do partido desde então, mais recentemente por corrupção relacionada à Covid19.

A Vinigroup opera em uma infinidade de indústrias diferentes, imóveis, turismo, educação, saúde e manufatura, por exemplo. Emprega dezenas de milhares de funcionários. Processar seu fundador e presidente definitivamente causaria ondas de choque no mercado de ações vietnamita e poderia até ameaçar desestabilizar a economia.

Nem mesmos outros grande empresários foram poupados, nos últimos meses, as autoridades processaram Trinh Van Quyet , fundador e presidente do FLC Group, empresa do setor aéreo, e Do Anh Dung , presidente do Tan Hoang Minh Group, do setor imobiliário.

Até mesmo o irmão de Vuong, Pham Nhat Vu, foi preso no início de 2019 por suborno devido ao escândalo de longa data envolvendo a tentativa de compra de uma empresa privada de telecomunicações pela estatal Mobifone.

Mas ao que parece, o maior empresário do país tem laços mais profundos com o Partido, um porta-voz do Ministério da Segurança Pública negou os rumores em torno de Voung, incluindo que ele enfrentava restrições de viagem. A declaração, no entanto, deve ser encarada com desconfiança.

Principalmente porque ela veio após os rumores terem derrubado as ações do Vingroup em mais de 6%, levando a patamares que não se via desde 2019. No entanto, quando Trinh Van Quyet sofreu restrições de viagem 2020 pouco após ser preso, ele era a pessoa mais rica do país, até que sua prisão fez as ações de sua empresa despencar.

O que se especula é que uma possível razão para o partido estar de olho nele é devido ao fato de um negócio imobiliário do Vingroup. Vinhomes, braço imobiliário do Vingroup, que teria adquirido terrenos para alguns de seus projetos imobiliários de empresas estatais sem passar por um processo de licitação pública.

O momento é delicado, a Vinfast, setor automotivo do Vingroup, está liderando os esforços para construir uma indústria automotiva nativa e o governo tem apoiado a iniciativa. Ela vai de encontro ao plano de Hanói de se tornar um país de renda alta até 2045.

A empresa planeja investir US$ 4 bilhões para construir uma fábrica de veículos elétricos na Carolina do Norte, consequentemente, esse movimento é parte da macropolítica vietnamita de estreitar laços com os EUA.

O valor total do investimento, incluindo a produção de baterias e outras instalações auxiliares, pode chegar a US$ 6,5 bilhões e está programada para iniciar a produção já em 2024, a previsão é que cerca de 150.000 veículos elétricos sejam construídos por ano.

O produto interno bruto (PIB) do Vietnã subiu de US$ 26 bilhões naquele ano para US$ 271 bilhões em 2020, à medida que o país se transformava em uma potência de exportação. De acordo com uma estimativa, o número de vietnamitas “super-ricos” com valor superior a US$ 30 milhões cresceu 320% entre 2000 e 2016, a taxa mais rápida do mundo. No entanto, cerca de 96% das empresas do país são pequenas ou médias.

Antes do Congresso Nacional de 2021, evento quinquenal do Partido onde são decididas as principais políticas e nomeações, foi anunciado que o Partido quer que as empresas privadas respondam por mais da metade da economia até 2025, acima dos cerca de 42% no final de 2020. Mais especificamente, disse que queria que cerca de 1,5 milhão de empresas privadas representem 55% do PIB até 2025, em comparação com as 700.000 empresas que representavam 42% em 2020.

Talvez isso explique um porta-voz do governo se pronunciar em um caso específico, o empresário é figura-chave de um plano de Estado muito maior do que outros empresários. Outro ponto importante é o fato de pesquisas apontarem que a população apoia um sistema mais aberto.

A Pew Research, um think tank com sede nos Estados Unidos, perguntou aos entrevistados em todo o mundo em 2006 se eles concordavam que “a maioria das pessoas está melhor em uma economia de livre mercado, embora algumas pessoas sejam ricas e outras sejam pobres”. Nos Estados Unidos, 72,1% concordaram; no Vietnã, 95,4% eram a favor, de longe a maior porcentagem de qualquer país pesquisado.

Isso obviamente aponta para as contradições do sistema híbrido capitalista-comunista, principalmente no que diz respeito à distribuição de riqueza. Em 2013, Nguyen Phu Trong, o chefe do partido, alertou que “a divisão entre ricos e pobres só mostra sinais de piorar”.

Analistas estimam que o setor privado do Vietnã e seus magnatas – ao contrário da China – ainda são politicamente fracos demais para representar qualquer ameaça ao governo do Partido Comunista.

Existem apenas alguns megaempresários e todos eles estão no setor imobiliário e de serviços, eles não apenas construíram sua riqueza em conexões pessoais e políticas, mas também dependem fortemente de tais conexões para sobreviver e continuar.

É uma relação de ganha-ganha e que se retroalimenta. A corrupção continua generalizada e a maioria das empresas ainda depende de conexões políticas para prosperar, os empresários estão cientes de que os mesmos políticos que os construíram podem um dia derrubá-los.

Portanto, espera-se que as empresas apoiem o governo do Partido e fiquem longe de certas práticas comerciais que possam ameaçar a segurança econômica do país ou ir contra as políticas de governo, afinal, funcionários do Partido e magnatas locais precisam uns dos outros para alcançar seus respectivos objetivos: sobrevivência do regime, expansão do capital e apoio popular.

O maior exemplo prático talvez seja a restrição em 2018 que o governo fez em relação a carros importados, o que agradou e impactou imediatamente o conglomerado VinFast. Em troca desse tratamento, espera-se que os magnatas do Vietnã sejam subservientes e reticentes.

De acordo com Nguyen Khac Giang, analista da Universidade Victoria de Wellington, as repressões oficiais ao setor privado e aos magnatas do Vietnã ainda estão longe das vistas na China, mas há sinais de que estão se acelerando.

“Resolver a corrupção no setor privado e promover o crescimento econômico será um dilema para o Partido porque seu modelo de desenvolvimento, de certa forma, depende da corrupção, seja como pequena corrupção, peculato ou ‘acesso ao dinheiro’

“A corrupção é o combustível para operar o sistema”, disse Giang. “O resultado final será uma punição seletiva para alguns empresários como vitrines, enquanto os outros, particularmente alguns grandes demais para falir, ficarão intocados”.

Em suma, assim como a China, o Vietnã precisa alimentar ainda mais as empresas privadas para fomentar o crescimento econômico ao mesmo tempo em que não pode se tornar refém do sistema. Porém, ao contrário do vizinho ao norte, Hanói está longe de ter grandes empresários com conexões globais e totalmente inseridos nas cadeias de valor.

Acontece que o fortalecimento dessas conexões beneficia o partido uma vez que diminui a dependência de investimento estrangeiro, e esse é um dos vários dilemas a gerir. Essa relação de quid pro quo pode nem sempre existir como hoje. Outra força para se considerar nessa equação, é a pressão popular por reformas que tende a aumentar conforme economias se desenvolvem e amadurecem e mais pessoas vão consumindo e fazendo parte do que se convencionar chamar de “classe média”.

O Vietnã carece de normas de direitos de propriedade privada bem definidas, o potencial de conflitos aumenta à medida que crescem as percepções de que nem todas as empresas são obrigadas a seguir regras. A corrupção, o nepotismo e os problemas intrínsecos das contradições dos “dois sistemas” devem se intensificar à medida que as empresas privadas crescem e as divisões de riqueza se tornam mais aparentes.

 

Referências

https://asiatimes.com/2022/07/why-vietnam-doesnt-squeeze-its-super-rich-tycoons/

https://thediplomat.com/2022/07/why-is-vietnams-vinfast-building-an-ev-factory-in-the-united-states/

Will Vietnam’s Richest Man Be Safe?

 

 

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