Política Externa de Cingapura: Grande entre pequenos

Cingapura é um centro financeiro e econômico global que fica estrategicamente no ponto de encontro entre o Estreito de Malaca e o Mar da China Meridional. Apesar de seu pequeno tamanho, 728 quilômetros quadrados de território (mais ou menos metade da cidade de São Paulo), a cidade-estado insular de 6,2 milhões de pessoas é um peso pesado em assuntos regionais, internacionais e um parceiro estratégico de primeira ordem das principais potências do mundo.

Foi uma colônia e entreposto britânico por mais de um século. Após a segunda guerra mundial, à medida que o império britânico se desfazia, Cingapura ganhou considerável autonomia e, em 1963, ingressou na federação da Malásia, sendo expulsa logo em seguida em 1065. A perspectiva não era nada boa. Minúscula, subdesenvolvida, sem recursos naturais, vista com desconfiança pelos vizinhos e com uma população de imigrantes relativamente recente com pouca história compartilhada, a cidade-estado precisava pensar em uma estratégia própria de desenvolvimento.

Lee Kuan Yew

Surge então a figura do Lee Kuan Yew, fundador e primeiro primeiro-ministro do país que governou por mais de trinta anos, até 1990, e depois se tornou ministro sênior, deixando a vida política somente em 2011. Faleceu em 2015 aos 91 anos. Ele era famoso por sua filosofia política, que via o governo nacional como um gestor paternalista e tecnocrático de todos os aspectos da vida social e econômica. Ele via as liberdades individuais como secundárias à prosperidade comunal e a disciplina social

Embora especialistas atribuam a seu modelo o incrível crescimento econômico de Cingapura, a abordagem de Lee também lhe rendeu a reputação de “autoritário brando”.  Ao longo de seu governo diversos dissidentes e rivais políticos foram presos, para muitos, seu governo era fruto do tempo de dificuldades e incertezas, hoje a cidade-estado é relativamente mais livre e aberta do que em seu período mesmo sendo comandada por seu filho Lee Hsien Loong.

Tendo testemunhado o legado da violência étnica na Malásia no início dos anos 1960, ele compreendeu a necessidade de ter uma harmonia racial na multiétnica em Cingapura, os líderes se viam como um país em uma espécie de cerco. Assim, elaborou uma série de políticas para promover a estabilidade social, incluindo cotas raciais em moradia e requisitos de representatividade racial para candidatos às eleições.

Sob Lee, Cingapura se tornou uma das quatro economias chamadas de Tigres Asiáticos, junto com Hong Kong, Coréia do Sul e Taiwan. Enquanto eles procuraram manter o controle estatal do desenvolvimento econômico central e ajudaram a criar seus próprios gigantes industriais, Cingapura seguiu um modelo de desenvolvimento econômico que priorizava atrair investimentos estrangeiros diretos, particularmente de corporações multinacionais americanas em busca de mão de obra de baixa remuneração.

Economia

A economia de Cingapura depende fortemente do comércio, e o país há muito apoia os esforços internacionais para reduzir as barreiras comerciais. Com 326% em 2018, Cingapura tinha a quarta maior relação comércio/PIB do mundo, o que a deixa particularmente vulnerável a viradas contra a globalização e o livre comércio no ocidente. O mercado interno do é relativamente pequeno, mas é o principal centro de transbordo do mundo, ligado a mais de 600 portos em todo o mundo.

O aeroporto de Changi costuma ser eleito o melhor do mundo com frequência, atende cerca de 6.800 voos semanais para 330 cidades. Hoje, 20 das 25 maiores empresas de logística do mundo gerenciam suas operações globais ou regionais a partir de Cingapura.

Política Externa

Desde sua independência, os líderes de Cingapura sabem de suas vulnerabilidades, o primeiro ministro das relações exteriores foi Sinnathamby Rajaratnam Dut, ele alegou que a Política Externa do país precisava considerar “a selva da política internacional”, pois sua nação se orientava “com base em inimigos permanentes”. O entorno regional era caótico, a região sofria de violência interna, desintegração econômica e grandes conflitos de poder.

Desde muito cedo, Cingapura soube usar o fator geográfico a seu favor, modulam sua política externa de acordo com ele. O modelo de Soft Power da cidade-estado é bem interessante, ela se projeta como uma líder dos pequenos. Diminuta, porém, rica e influente com os grandes, ela assume a responsabilidade de representar o interesse dos pequenos para tentar também se projetar mais assertivamente no cenário internacional. Em 1992, Cingapura estabeleceu e presidiu o Fórum de Pequenos Estados, um agrupamento informal e não ideológico de pequenas nações.

Em 2009, criou o Grupo de Governança Global 3G, outra reunião informal que envolveu 30 países de pequeno e médio porte da ONU. Oficialmente o encontro se deu para “promover maior transparência e inclusão no processo do g20, incentivando um diálogo e vínculos mais fortes entre o grupo e os membros mais amplos da ONU”

Em 2015, lançou o Foss Fellowship Program (com 107 países) para promover uma melhor compreensão e uma cooperação mais estreita entre os membros. A organização conta com um programa de bolsas. Embaixadores baseados em cidades onde existe a organização são convidados para visitas de estudos em Cingapura, onde podem trocar opiniões e informações sobre diversos temas. Nos últimos anosa a cidade-estado recebeu 88 embaixadores de 62 países no âmbito desse programa de bolsas.

Outra forma de Soft Power é o auxílio financeiro e de mão de obra especializada em desastres naturais. Após uma tsunami na Indonésia em 2004, Cingapura enviou suas Forças Armadas para a região junto com médicos engenheiros e voluntários. O mesmo acontece após o famoso furacão Katrina nos Estados Unidos no ano seguinte. Mesmo ano em que enviou tropas após o atentado em Bali e um terremoto no Paquistão.

Conexões Internacionais

Reconhecendo a vulnerabilidade da sobrevivência dos pequenos Estados no sistema mundial, Cingapura há muito defende os princípios do direito internacional e a carta da ONU que ressaltam o respeito à integridade e soberania do território. Costuma ser firme em se opor a qualquer tipo de invasão territorial, especialmente quando os invadidos são nações menores. Repudiou a invasão da Indonésia ao Timor-Leste e quando a Rússia invadiu a Crimeia em 2014. No caso russo alegou que “a soberania e a integridade territorial da Ucrânia devem ser respeitadas”.

Ainda que o fator comercial possa ser destacado nessa suposta coragem em ir contra os interesses russos, já que, ao contrário dos seus vizinhos, o comercio bilateral com Moscou é insignificante, a cidade-estado teve a mesma postura com a Indonésia, seu parceiro de primeira ordem. A contrariedade não ficou apenas em notas, o país aplicou sanções aos russos, um raro caso entre os chamados “não ocidentais”. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, as sanções se concentrarão em “controles de exportação e bloqueio de certas transações financeiras ligadas a bancos e instituições financeiras russas ”.

A última vez que Cingapura sancionou unilateralmente um país, sem passar pelo crivo da ONU foi há mais de 40 anos, quando o Vietnã invadiu o Camboja e derrubou o comunista Khmer vermelho, a decisão está enraizada na sobrevivência no sistema internacional. O país mantém relações diplomáticas com 187 países, é um dos países mais pró-neutros do mundo. Em 2015, sediou a primeira reunião de um líder chinês e um presidente de Taiwan, em junho de 2018, foi palco da primeira reunião entre EUA – Coréia do Norte.

Sede permanente da Secretaria de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) e do Conselho de Cooperação Econômica do Pacífico(PECC), e do Diálogo de Shangri-la, um importante fórum de segurança e de Defesa do continente asiático que recebe também os chefes de defesa da Europa e dos EUA.

Goza de boas relações com o Reino Unido, compartilha laço no chamado Cinco Acordos de Defesa de Potência (FPDA), juntamente com Malásia, Austrália e Nova Zelândia. Ótimas relações também com seus vizinhos da ASEAN, com a China e com os Estados Unidos, é um dos pouquíssimos países a estabelecer relações com a Coréia do Norte e com os Estados Unidos simultaneamente.

Neutralidade Pragmática

Embora os laços com EUA sejam próximos, as políticas comerciais protecionistas do ex-presidente Trump foram muito mal vistas. Em 2018, o Primeiro-Ministro criticou as tarifas unilaterais do governo de Washington. Segundo ele: “uma guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo terá um grande impacto negativo em Cingapura”. A China é a maior parceira comercial da cidade-estado. O Ministro do Comércio, disse que a falta de confiança entre eles era “a trajetória mais perigosa para a economia mundial”. O impacto da guerra comercial foi grande, em 2019, o PIB do país cresceu apenas 0,7%, seu ritmo anual mais lento em uma década.

Em 2017, Cingapura foi o segundo maior investidor estrangeiro direto na China. Em 2019, os dois países assinaram vários acordos para colaborar em comércio e segurança, e concordaram em trabalhar juntos em projetos da iniciativa da Nova Rota da Seda em outros países. No entanto, essa relação oscila, as tensões aumentaram em 2016, quando Pequim apreendeu vários veículos militares de Cingapura que estavam retornando de manobras com Taiwan. Em 2017, como uma das represálias, a cidade-estado não foi convidada para o fórum inaugural do mega-projeto chinês.

Em nome da estabilidade e do comércio Cingapura se abstém de comentar sobre questões das grandes potências. Por exemplo, membros do governo não criticaram a militarização chinesa nos mares já que seu país não é parte reclamante, tampouco mencionam a região de Xinjiang e os problemas com a etnia Uigur.

Ameaças Externas

As principais ameaças à segurança de Cingapura são: terrorismo transnacional, pirataria marítima nos arredores do Estreito de Malaca e mudanças climáticas. Em 2001, autoridades do país descobriram um plano terrorista que iria colocar bombas nas embaixadas dos EUA, Austrália, Reino Unido e Israel, 15 pessoas foram presas. Entre 2002 e 2005 cerca de 30 pessoas foram presas por ligações com terroristas. O governo sabe que pelo menos três cidadãos se juntaram ao Estado Islâmico, o medo é que eles possam retornar a espalhar a ideologia extremista do islã.

Em 2016, o governo indonésio alegou ter interceptado um grupo que planejava jogar foguetes contra Cingapura , segundo as investigações, até membros do Estado Islâmico sírios estavam entre os membros. O país ficou em alerta por semanas e solicitou maior cooperação bilateral em segurança com Jacarta. A pirataria na região é comum e frequente, em 2015 um petroleiro foi roubado nos arredores do Estreito, somente nesse ano mais de 50 navios relataram roubos, estima-se que anualmente esse tipo de crime custe ao mundo mais de US$ 1 bilhão.

A mudança climática global é outra grande ameaça, o país tem sido um dos principais proponentes de ações internacionais coordenadas para reduzir as emissões de carbono, incluindo o acordo de paris de 2015 . Quase um terço da nação está a apenas cinco metros acima do nível médio do mar, deixando a ilha de baixa altitude altamente vulnerável a inundações costeiras. Em resposta, o governo destinou milhões de dólares para combater o aumento do nível do mar, os planos incluem a expansão do reservatório de água e o sistema de drenagem subterrâneo.

Referências

Https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2016/08/06/cingapura-pede-vigilancia-depois-que-ataque-com-foguete-e-frustrado.htm

Https://thediplomat.com/2022/03/why-singapore-has-chosen-to-impose-sanctions-on-russia/

Https://blogs.worldbank.org/transport/three-factors-have-made-singapore-global-logistics-hub

Https://www.cfr.org/backgrounder/singapore-small-asian-heavyweight

 

 

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