Ep 06: Alemanha e União Europeia na integração por uma segurança energética
*Essa coluna mensal é derivada da parceria do MenteMundo com o Luis Rutledge, e que faz parte também, um podcast para debater esse assunto, confira aqui!
Cenário Energético
A Alemanha, a maior economia da Europa, sente no seu dia a dia os crescentes problemas causados pelos cortes de fornecimento de gás natural oriundos da Rússia. Uma breve análise da geopolítica energética alemã nas últimas décadas explica a atual vulnerabilidade em que o país se encontra.
Em 1970, um acordo comercial de grande importância seria celebrado entre Alemanha Ocidental e União Soviética. Naquele ano, políticos de ambos os lados assinariam o primeiro contrato de um extenso gasoduto que deveria partir da Sibéria até Marktredwitz, na Baviera alemã. Nesta parceria, os alemães forneceriam a tecnologia necessária para montar a infraestrutura deste gasoduto e os então soviéticos forneceriam a matéria-prima, o gás natural. Após 50 anos, a Rússia se tornaria responsável por pouco mais da metade (55%) do gás consumido na Alemanha.
O gás natural representa quase 30% do mix energético total da Alemanha. E nas últimas duas décadas as principais lideranças do país identificaram o gás natural como uma fonte energética essencial na transição para uma matriz nacional cada vez mais renovável. Em teoria faz sentido. Uma fonte menos poluente, com infraestrutura de consumo enraizada em todas as camadas domésticas e industriais do país e um supridor energético confiável é o panorama perfeito para uma segurança energética. O conflito na Ucrânia fez ruir esta situação de conforto.
Poucos setores da economia europeia sentiram tanto o impacto quanto a alemã. O país possui uma infraestrutura de gás com os gasodutos Nord Stream e Yamal-Europe orientada para a Rússia e com malha de suprimento e distribuição de gás natural em todos os setores da economia, principalmente a industrial. A Alemanha se estruturou para um contínuo fornecimento de gás natural para as próximas três décadas através de forte investimento e parcerias para novos gasodutos, como o NordStream 2 e novos ambientes de armazenamentos de gás. E, agora se encontra a ver navios.
Com a crescente incerteza de fornecimento russo, a Alemanha se esforçou em busca de outros fornecedores. Noruega e Países Baixos formaram as opções imediatas. Além, da expansão de sua infraestrutura para importação de gás natural liquefeito (GNL) do Catar e dos EUA.
De certo, os alemães ousaram ao optar por um sistema sem qualquer segurança energética. A extrema dependência de um único supridor somadas à decisão nos últimos anos de encerrar a geração energética oriundas da produção de carvão e nuclear tornaram a Alemanha um país com pouquíssima segurança energética. Este conjunto de fatores dificultam que o governo alemão contenha a atual alta dos preços da energia elétrica. Além disso, são poucas as peças no xadrez geopolítico que permitam uma mudança de cenário.
Uma alternativa, não muito agradável, seria o retorno imediato das usinas nucleares. O aumento dos preços e as incertezas quanto ao gás trouxeram à tona as opções energéticas menos simpáticas. Tendo como exemplo a França, que se utiliza da energia nuclear para gerar cerca de 40% da energia do país e, talvez por isso, pouco tenha sentido os cortes de gás russo, o debate das usinas nucleares retornaram. No entanto, até o momento, o governo alemão não admite esta possibilidade.
Outra possibilidade seria a reutilização do carvão. Alemanha e carvão possuem laços históricos. O carvão alimentou a revolução industrial alemã e foi responsável, até os anos 1990, pela geração de 40% do fornecimento de energia do país. No entanto, o forte comprometimento com suas metas ambientais fez com que a Alemanha eliminasse as usinas de carvão, mesmo sendo esta fonte fóssil responsável por quase 15% do fornecimento de energia do país. Fica a indagação se o agravamento da crise poderá mudar este comprometimento ambiental.
Integração Energética
A União Europeia, bem antes da atual crise, já deveria ter estudado uma integração para alcançar a segurança energética dos países-membros de forma única e interligada. Quebrar a rigidez da segmentação da cadeia energética europeia se tornou vital. Uma análise técnica atualizada do sistema energético europeu nos apresenta matrizes energéticas díspares entre vizinhos próximos. A intensa aplicação de carvão em determinados países-membros ao longo dos anos se contrapõe às políticas de matrizes renováveis em outros. E em relação ao gás natural as distorções são ainda maiores. Alguns países seguem importações pesadas de GNL e outros extremamente dependentes da infraestrutura de malhas de gás natural. Desta forma, recorrer ao vizinho mais próximo nem sempre funciona. E, este início de mudança da geopolítica energética europeia deverá partir da Alemanha.
É compreensivo que por fatores históricos e/ou geográficos o uso de determinada fonte energética se torne mais aconselhável. Mas, quando questões geopolíticas implicam diretamente na segurança energética consequências como as atuais se tornam previsíveis. A dependência alemã ao gás natural serviu de ferramenta para a forte coerção russa e o pouco engajamento, segundo alguns analistas, de Olaf Scholz nas críticas e ações contra os conflitos do leste europeu. E, hoje, o país se encontra sem muitas alternativas por um uma opção energética baseada na geopolítica.
As decisões da política alemã nos próximos meses serão vitais e podem impactar a coesão da União Europeia. Uma guinada energética de Berlim fechando de vez a conexão política de seus gasodutos com Moscou fortalecerá a União Europeia, num claro sinal de reorientação uniforme da política energética europeia. Ursula Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, reiterou que medidas conjuntas serão tomadas para reduzir a demanda por eletricidade, apoiar os produtores internos de energia e partir para uma maior integração entre os países-membros. E, para este propósito ter continuidade a dependência ao gás russo deve ser freada. E, neste caso, a Alemanha precisa colaborar.
Em relação ao gás natural, de imediato, seria necessário conectar redes de energia e malhas de gasodutos para mover o gás e combustível de forma rápida e menos custosa. A infraestrutura europeia de gás natural canalizado possui ramificações que conectam de forma eficiente quase todos os países que o compõem. Os pontos de entrada e estocagem de GNL estão espalhados pelo entorno do continente europeu. Está distribuição geográfica existente é um facilitador para a integração energética europeia. E, desta forma, regular os tributos e preços de trânsito e compra de gás. No mapa os pontos em azul indicam zonas de entrada de GNL, Figura 1.
Figura 1 – Malha de gás natural do Continente europeu.
Fonte: Entsog
Iniciativas estão em andamento. Recentemente, Olaf Scholz se reuniu com o Presidente espanhol, Pedro Sanchez. O encontro teve como objetivo estudar novos possíveis trajetos de gasodutos para ligar de ponta a ponta a rede de gás da União Europeia. Entre as ideias, uma rota de gasoduto passando pela Itália ou França.
Portugal, por sua vez, sugeriu reexportar o gás recebido no Porto de Sines. O governo português acredita ser em poucos meses viável ligar Sines ao resto do continente. Planos de ampliação do porto e de suas plantas de regaseificação estão em estudo, Figura 2. Em favor desta ideia, existe a estratégica localização geográfica. Este terminal de Sines desempenha importantes funções, entre elas: recepção e descarga de navios metaneiros, armazenamento de GNL e a emissão do gás para a rede nacional de distribuição. Segundo fontes do governo português, discussões prosseguem em andamento com vários governos, entre os quais Alemanha e Polônia, para fazer do Porto de Sines uma plataforma de transbordo para o Mar Báltico. O primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawieck, pretende seguir em frente com este acordo de cooperação com os portugueses e passar a adquirir gás do sul da Europa. O GNL, oriundo de Portugal, poderá ser um caminho mais viável e seguro para a alta demanda que se aproxima.
O governo português defende que Sines – um porto europeu de águas profundas mais próximo dos navios norte-americanos – pode se tornar a porta de entrada oficial dos navios de GNL da Nigéria, Trinidad e Tobago, EUA e também de Moçambique, país que recentemente fez descobertas enormes de gás natural.
Figura 2 – Porto de Sines.
Fonte: Jornaldenegócios.pt
Portas de entrada através da Península Ibérica, aumentariam a capacidade de importação da Alemanha e de outros países dependentes dos gasodutos russos. Acessos pelos terminais de GNL de Portugal e da Espanha impulsionaria o mercado de gás com trânsito facilitado para mercados exportadores, como: Catar, Austrália e Emirados Árabes.
De resto, só falta quebrar a última ponte entre Rússia e União Europeia, a Alemanha.
*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal. Atua como colunista e comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais e no CERES – Centro de Estudos das Relações Internacionais. Pós-graduando em Relações Internacionais pelo Ibmec. Possui 16 anos de experiência em Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento entre a UFRJ e o CENPES/PETROBRAS. Colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br
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