Laos e seus vizinhos socialistas
Para compreender o Laos, vale a pena dar uma olhada nos escritos dos seus próprios teóricos e líderes, como é o caso de Kaysone Phomvihane, principal líder político do país que governou de 1955 até sua morte em 1992. O seu pensamento é uma espécie de “Marxismo-Leninismo adaptado às circunstâncias do Laos”. Ele propôs, após a independência do país e a derrubada da monarquia em 1975, que o país tivesse que enfrentar cinco prioridades anteriores à construção do socialismo, sendo eles: 1. “normalizar” a vida do povo (em termos de alimentação, vestuário e abrigo); 2. fortalecer o poder do Partido (enraizado nas “zonas brancas” monarquistas); 3. estabelecer instituições estatais e abolir instituições feudais e coloniais; 4. conceber a governação pós-guerra; 5. “construir” a nação e integrar as minorias (mais de sessenta comunidades étnicas distintas coexistem no Laos, das quais o grupo ‘Lao’ é a maioria com quase 40% da população).
O desenvolvimento teórico e político do Laos tem a ver com a sua história particular marcada pela resistência armada à violência imperialista da França, do Japão e dos Estados Unidos, fazendo desse pequeno e pobre país o mais bombardeado da história da humanidade, muitas dessas bombas causam muitas mortes até os dias de hoje. Aproximadamente 50.000 perderam a vida durante a guerra com os EUA. E, desde que terminou em 1975, mais de 20 mil sofreram o mesmo destino quando explodiram bombas que se espalharam por todo o território nacional sem explodir a princípio.
A constituição do Laos especifica o seguinte: “Desde que o país foi libertado, o nosso povo tem cumprido unificadamente as duas tarefas estratégicas de Defesa e construção do país, especialmente a de empreender reformas a fim de mobilizar recursos dentro da nação para preservar o regime democrático popular e criar as condições para avançar em direção ao socialismo.” “Empreender reformas”, “mobilizar recursos”, “criar condições” e “avançar para o socialismo”. Este é o roteiro do socialismo com características do Laos. Como qualquer processo político, só o tempo dirá se haverá sucesso.
Para um país tão pequeno, ter uma amizade política densa com a China e, sobretudo, com o Vietnã, foi e é crucial. Após a libertação, Hanói ajudou o Laos com infraestruturas, uma vez que a escassez de engenheiros tornou extremamente difícil atingir objetivos imediatos. Em compensação, o Laos forneceu alimentos, roupas e medicamentos ao seu vizinho, que sofria com as famosas sanções, que bloqueavam o país ao mercado internacional.
No final da década de 1980, o país abriu-se ao investimento estrangeiro e ao comércio com o mundo capitalista. Desde então, o PIB nacional cresceu entre 4 e 8% . O investimento privado estrangeiro e a promoção do desenvolvimento do capitalismo nacional estão sujeitos ao consentimento da ligação entre o Partido-Estado. Tendo a Tailândia, a China e o Laos como os seus principais parceiros comerciais.
Como todo processo socialista, o laosiano enfrenta grandes contradições na relação entre o Partido e a economia. O setor financeiro, embora reserve um papel importante a diversas instituições estatais, permite a presença de importantes grupos privados estrangeiros. Uma grande percentagem da população ativa dedica-se a tarefas agrícolas, o que confere à questão fundiária uma importância ainda maior do que em outros países socialistas.
Desde que o Partido Popular Revolucionário do Laos assumiu o poder estatal, o terreno é propriedade pública, sem possibilidade de venda, apenas arrendamento com o consentimento do Estado, claro.
O país também possui as Zonas Económicas Especiais (ZEE), como as chinesas, que facilitam a entrada de investimento estrangeiro à custa de benefícios fiscais, embora assegurem, quando designadas pelo Estado, um controle considerável dos recursos económicos.
Historicamente, estar sem litoral tem sido considerado uma posição desvantajosa. Os países sem litoral estão privados de recursos marítimos, como a pesca, e, mais importante, não têm acesso ao comércio marítimo, que representa uma grande percentagem do comércio internacional. Assim, as regiões costeiras tendem a ser mais ricas e mais populosas do que as áreas do interior. No caso do Laos, esta desvantagem é surpreendentemente aparente, uma vez que o Laos é o único país sem litoral em todo o Sudeste Asiático.
No entanto, o governo do Laos está determinado a transformar esta limitação tradicional, promovendo a percepção de que o Laos é uma ponte terrestre, proporcionando as rotas de transporte terrestre mais diretas entre os seus vizinhos costeiros.
Em resumo, o Laos combina várias características que o tornam especial: em primeiro lugar, é um país geográfica e demograficamente pequeno no meio de uma das regiões mais densamente povoadas do planeta e com vizinhos da estatura da China, Tailândia e do Vietnã. Em segundo lugar, é um dos exemplos internacionais desses “socialismos de mercado”, “economias de mercado orientadas para o socialismo”, ou como queiram chamar.
Vietna
No Sudeste Asiático existe uma das amizades mais profundas entre dois Estados soberanos em todo o mundo: entre o Laos e o Vietnã. Ambos os países sob governos comunistas fundados por quadros do antigo Partido Comunista da Indochina, liderado pelo vietnamita Ho Chi Minh.
Ambos sofreram com imperialismo europeu e guerras ideológicas no séc XX. Depois disso, os movimentos de independência do Pathet Lao e do Vietminh lutaram por independência do poder estrangeiro e venceram guerras civis em seus países. As relações diplomáticas se iniciaram oficialmente em 1962,
O Vietnã se projeta sob a Indochina como uma espécie de líder sub-regional. Tem no Laos um aliado de primeira ordem e invadiu o Camboja para tirar Pol Pot do poder em uma guerra por procuração URSS x China. Colocando no lugar Hun Sen, que até hoje governa o país, passando o poder para seu filho.
Ano passado marcou o 60º aniversário das relações diplomáticas e o 45º ano do Tratado de Amizade e Cooperação. Nesse período, eles sempre se ajudaram mutuamente em fóruns regionais e internacionais.
Todas as 17 províncias do Laos mantêm algum tipo de laço interlocal com os seus homólogos no Vietnã. E algumas delas, múltiplos laços. A escala destes laços varia de acordo com os recursos administrativos disponíveis e a importância nacional das províncias ligadas. São chamados de acordos de “geminação” ou “províncias irmãs”. São intercâmbios educacionais, políticos e econômicos que os fazem usar o slogan de “parceria entre nações mais profunda do mundo”.
Por se tratar de um país sem saída para o mar, e afim de manter-se como principal parceiro do Laos, o Vietnã cedeu parte do seu porto de Vung Ang para seu vizinho e investiu em uma ferrovia para escoar os produtos de Vientiane. E a ferrovia Laos-Vietnã, que fará parte desse projeto multimodal, deverá ser concluída e colocada em serviço em 2028, segundo a mídia do Laos. Ela faz parte do Projeto de Ligação Logística do Laos, que inclui uma série de subprojetos, como um Porto Seco e um Parque Logístico. Ela deverá possuir 500km de distância com investimento total de US$ 5,5 bi.
Nos últimos anos, o comércio entre o Vietname e o Laos testemunhou fortes desenvolvimentos. No ano passado, o valor comercial atingiu US$1,34 bi, registando um aumento anual de 30,2%. No primeiro semestre de 2022, o comércio foi de US$ 824 mi, um aumento de 20,6% em relação ao mesmo período do ano anterior. Hanói é hoje um dos três maiores investidores no Laos. No final de junho de 2022, despejou US$ 65,9 mi, representando 19,1% do investimento estrangeiro total de Vietname.
Um ponto de tensão na relação é a quantidade de barram que o Laos tem construído no rio Mekong. O Vietnã tem sofrido com secas, e parte disso tem relação com essas barragens. Mas claro, com tamanha profundidade na relação bilateral, esse tema é tratado com muita diplomacia e sem vazamento de maiores intercorrências entre os aliados.
China
O Laos é fundamental para as ambições chinesas no projeto do Cinturão e Rota da China (BRI) no Sudeste Asiático. A Ferrovia China-Laos é a primeira ligação de uma rede ferroviária internacional que liga o sudoeste da China a sete países da região. Na inauguração, o presidente chinês , Xi Jinping classificou a ferrovia como um projeto marcante.
Consolidar-se como o grande pivô da região é uma das prioridades do gigante asiático. E, embora relativamente amigável, a relação que a China tem com o Laos e o Vietnã é tensa em alguns pontos, como a tensão nos mares e as barragens no Mekong.
Desde meados de 2010, a China tornou-se o maior investidor externo tanto no Laos, bem como um aliado político cada vez mais importante, ela investiu cerca de US$ 16 bi por lá desde 1989. Muitas dessas controversas barragens hidroelétricas foram construídas e pagas por Pequim, e as províncias do norte do Laos são agora altamente dependentes do capital chinês.
A recente corrida de produtos e infraestruturas chineses para o Laos não passou despercebida pela sua população local, muita insatisfação vem pelo fato da China levar seus próprios trabalhadores para a implementação desses grandes projetos. Pessoas que precisam ser realocadas acabam colocando sua frustração em Pequim, o que gera um sentimento anti China em algumas partes do território laosiano.
Os cassinos também são um ponto de tensão na relação, atrai um tipo de turismo que muitas vezes entra em choque com os valores dessas populações, principalmente os que são em zonas remotas e menos acostumadas com o contato externo.
Hoje, o Laos possui a terceira maior dívida relativa do mundo com os chineses, ficando atrás apenas de Djibouti e Angola, são cerca de 30% do PIB. Outro ponto de tensões com o vizinho gigante. Ou seja, a primeira vista pode parecer que o Laos só tenha a ganhar em ter um vizinho também comunista e com tanto poder financeiro, no entanto, a realidade é sempre mais complicada.
Conclusão
O Vietnã e a China veem o Laos com diferentes níveis de prioridade estratégica. Com o seu peso econômico e territorial, a China pode fazer acordos com qualquer regime que chegue ao poder no Laos. Já para o Vietnã, a continuação do governo do LPRP é absolutamente crucial para a segurança nacional do próprio Vietnã, o Laos partilha uma fronteira de 2.161 quilómetros com o Vietnã, quase o dobro da extensão das fronteiras com a China
Hanói se projeta sob a Indochina como um líder regional e busca na região parceiros para equilibrar a influência chinesa. E por isso, o Laos é importante para a China, mas é indispensável para o Vietname. Os problemas internos do Laos são um inconveniente para Pequim, mas uma fonte de ansiedade para Hanói.
O Laos desempenha um importante papel de distensão, apesar da sua pequena dimensão económica, militar e demográfica. Ao se beneficiar de ambas as relações com os seus dois “colegas” geográficos e ideológicos, acaba sendo uma espécie de ponte entre eles.
Desempenha e sabe se equilibrar muito bem nessas águas agitadas, estar de cabeça no BRI e ao mesmo tempo construindo sua saída para o mar graças ao Vietnã, mostra que a diplomacia está afiada e proativa.
O Vietnã vê sua liderança “natural” na Indochina ameaçada pela Nova Rota da Seda, e nota que seus vizinhos estratégicos ficam pouco a pouco mais próximos da China. Embora claro, também faça parte do projeto e se beneficie com ele, sua geoeconomia e geopolítica estão em xeque! Enquanto isso, a China busca reforçar laços com o que considera sua zona de influência regional para deixar cada vez menos brechas para a entrada dos EUA em suas fronteiras sem pesar na mão justamente para não afugentar seus parceiros de primeira ordem.
Referências
https://www.statista.com/chart/19642/external-loan-debt-to-china-by-country/
https://asia.nikkei.com/Economy/Laos-debt-at-critical-level-with-China-payments-still-opaque
https://www.elsaltodiario.com/analisis/al-lado-china-vietnam-laos-socialismo-mercado
https://en.vietnamplus.vn/laos–vietnam-railway-set-to-operate-in-2028/267402.vnp
https://asiatimes.com/2021/09/vietnam-bids-to-woo-cambodia-laos-from-china/
https://www.descifrandolaguerra.es/laos-y-vietnam-una-excelsa-amistad/
https://asiafoundation.org/2008/08/27/in-laos-land-linked-not-land-locked/
https://thediplomat.com/2022/12/what-if-the-communist-social-bargain-breaks-down-in-laos/
https://english.thesaigontimes.vn/railway-proposed-to-link-vung-ang-to-laos/?utm_source=substack&utm_medium=email
https://special.vietnamplus.vn/2022/09/04/numerous-events-celebrate-vietnam-laos-friendship-solidarity/
https://dangcongsan.vn/tu-tuong-van-hoa/to-tham-tinh-doan-ket-dac-biet-viet-nam-lao-618502.html
https://thediplomat.com/2022/10/navigating-socialism-security-and-china-in-laos-vietnam-relations/
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