Geopolítica Energética #02 – Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos projetam a transição energética sem frear a produção de petróleo

*Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica Energética. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC. Atua como pesquisador da UFRJ, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior – FUNCEX, Colunista do site Mente Mundo Relações Internacionais e autor de inúmeros artigos publicados sobre o setor energético.

Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos projetam a transição energética sem frear a produção de petróleo

Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos estão alinhados com a necessidade global da transição energética, entretanto, a visão de ambos os países inclui a necessidade
contínua de combustíveis fósseis com a redução de emissões nos processos de exploração e produção de óleo e gás. Os países do golfo pretendem aumentar a participação de energias renováveis e de baixo carbono em suas matrizes energéticas e buscam encontrar o equilíbrio entre manter a liderança no setor de petróleo e o crescimento econômico e, em paralelo, atingir a diversificação energética, um processo de longo prazo que requer estabilidade geopolítica numa região em constante turbulência. A região do Golfo Pérsico está entre as regiões mais áridas do mundo, tornando-a vulnerável às mudanças climáticas. A Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e países vizinhos investiram valores robustos em novas tecnologias para reduzir gradualmente as
emissões e atender à demanda futura de energia por fontes menos poluentes.

Contudo, a importância de buscar a transição energética para enfrentar as mudanças climáticas não pode ignorada a importância do petróleo para o Oriente Médio, mesmo em tempos
de insegurança na região de Gaza e no Mar Vermelho. O suprimento energético global ainda é fortemente dependente de hidrocarbonetos, sendo as exportações de petróleo do Golfo responsáveis por cerca de 35% do total das exportações marítimas do mundo, bem como 20% do comércio de GNL. Apesar da forte presença do petróleo nas economias de países árabe, não podemos ignorar os esforços crescentes de alguns grandes produtores para remodelar seus setores de energia, à medida que adotam gradualmente fontes e tecnologias inovadoras que contribuem para
reduzir as emissões, mantendo seus investimentos existentes em petróleo e gás.

Para alcançar plenamente essa transformação, os estados do Golfo precisam não apenas de financiamento e parcerias significativas, mas também de estabilidade regional. A Arábia Saudita em suas estratégias de transição energética se baseia em três pilares principais: aumentar a eficiência energética, diversificar a matriz energética e gerenciar as emissões. Seu objetivo é deixar de exportar exclusivamente petróleo e se projetar também no cenário de energias renováveis e por isso buscar acordos tecnológicos com diversos países, incluindo o Brasil. Dentro deste pensamento estão inclusas parcerias em projetos tecnológicos em biocombustíveis e hidrogênio com o Brasil, bem como a continuada produção de combustíveis fósseis combinados com tecnologia de captura de carbono para reduzir as emissões.

Na visão de Riad, a transição energética começou nos anos setenta, quando o Reino implementou um projeto de “rede principal de gás” para capturar e usar gás natural associado ao petróleo bruto em vez de queimá-lo. De acordo com a estatal Aramco Energy, o sistema ajudou a reduzir as emissões usando gás associado na geração de energia e apoiando as indústrias petroquímica e de refino, entre outros setores. As projeções do Reino quanto às energias renováveis são muito otimistas. Nas contas dos sauditas, as energias eólica e solar, devem contribuir com cerca de 50% de sua
capacidade total de geração de eletricidade até 2030. Muito embora, a participação das energias renováveis na geração de eletricidade tenha aumentado consideravelmente nos últimos anos, o petróleo continua sendo o sustentáculo energético do país. Os sauditas também acreditam que o gás natural continuará a desempenhar um papel fundamental no futuro, muito em função do
desarranjo da guerra da Ucrânia e das políticas energéticas de Trump.

A Arábia Saudita está investindo em melhores tecnologias e infraestrutura para aumentar a produção de gás natural visando se tornar um grande exportador de GNL num curto prazo. Ciente de que as energias solar e eólica são fontes intermitentes e que exigem tecnologias de armazenamento sofisticadas, os sauditas acreditam que a dependência de gás natural irá se alongar ainda mais.
A perspectiva otimista de Riad quanto a demanda de gás natural fez o Reino investir ainda mais no setor petroquímico, que é derivado de componentes de petróleo e gás
natural e é usado na fabricação de produtos como plásticos, eletrodomésticos e até painéis solares. Além dos projetos de produção doméstica, os sauditas estão se movendo
em direção a grandes acordos de petróleo para produtos químicos com empresas na China, seu maior importador de petróleo.

O governo de Mohammad bin Salman, apesar da clara preferência na manutenção do óleo e gás natural como seus pilares energéticos, entende que as receitas do petróleo são fundamentais para qualquer financiamento que incluam a transição energética e a diversificação econômica através de outras tecnologias e fontes renováveis. No caso dos Emirados Árabes Unidos, a energia nuclear desempenha um papel fundamental no apoio à transição energética do país. Surpreendentemente, o governo considera a adoção da energia nuclear e das energias renováveis essencial para atender à crescente demanda por energia e reduzir as emissões. Em 2020, a primeira unidade da Usina de Energia Nuclear de Barakah em Abu Dhabi foi conectada à rede e, em setembro do último ano, a quarta e última unidade estava operacional. A partir deste movimento, a usina de Barakah atualmente é capaz de gerar até 25% das necessidades de eletricidade do país.

A matriz energética dos Emirados Árabes Unidos a cada ano se apresenta mais limpa. Atualmente cerca de 40% de sua eletricidade é proveniente de fontes de energia nuclear e renováveis. No caso específico dos Emirados, o destaque central é a energia nuclear. Porém, a grande questão do momento gira em torno das parcerias entre EUA e os Emirados Árabes Unidos. Em 2022, para promover a energia limpa no país árabe, um acordo foi lançado para atrair cerca de US$ 100 bilhões em financiamentos de energia limpa. Com certeza com o governo Trump o desenvolvimento de diversas iniciativas juntamente com países árabes deverá se esfarelar. Hoje, diversas empresas americanas na Arábia Saudita mantêm forte presença no setor de óleo e gás e infraestrutura energética. O novo governo norte-americano certamente exercerá sua influência para a continuidade dos acordos energéticos que envolvam diretamente energias fósseis.

Por fim, os Emirados Árabes Unidos estão com o firme propósito de construir uma segunda usina nuclear além de Barakah, enquanto a Arábia Saudita espera investir em tecnologias limpas que se insiram nas infraestruturas de descarbonização de indústrias difíceis de abater, como a de ferro e aço. De qualquer forma, qualquer iniciativa para uma ampla transição energética necessitará
de uma cooperação efetiva e de agentes que reconheçam a urgência climática. Com ou sem Washigton, a transição energética é urgente e imediata.