A Indonésia e os BRICS
Após ver tanto post do nível de “prof hoc” da vida dos deterministas geográficos, resolvi fazer um resumo da relação China – Indonésia. Afinal, para essa galera, o Brasil segue um caminho errado com o BRICS, já que a Indonésia não quis ser parte dele, pelo menos por ora.
– Negocia com a china em Yuan há anos
– Diversos projetos da Rota da Seda, como o trem de alta velocidade Jacarta-Bandung
– A nova capital custará US$ 35 bilhões e a China e o Catar devem ser os maiores investidores
– A China é a segunda em investimento estrangeiro direto e maior parceira comercial com mais do que o dobro do que os EUA, por exemplo
– A Asean (bloco em que a Indonésia é uma espécie de líder natural) está para bater us$1 tri em comércio anual com a Pequim.
– Negociam um código de conduta marítimo que perpassa a UNCLOS, ou seja, a ONU e o Direito Internacional.
– Quando o AUKUS foi anunciado, mesmo sendo uma ferramenta anti-China, a Indonésia foi a nação que mais protestou alegando que “ agrupamentos minilaterais ancorados pelos EUA são vistos como excludentes e incitam desequilíbrios de poder.”
Por outro lado:
– A China é mal avaliada pela maioria dos indonésios
– Pós eleição de 2019, Fake News sobre uma suposta invasão chinesa em ilhas da Indonésia desaguou em tumultos e mortes
– o Fato da China levar seus próprios trabalhadores para seus projetos de investimento viram com frequência brigas de rua no país.
Ou seja, vocês acham mesmo que ser parte do BRICS vai mudar em algo?
Paralelo entre os BRICS e o movimento dos países não alinhados
São propostas e organizações que nasceram em momentos geopolíticos muito diferentes. O Movimento dos Não Alinhados nasceu à sombra da Guerra Fria e da polarização mundial entre o mundo socialista e os países capitalistas ocidentais. Foi um enfrentamento e uma bipolarização com forte conotação ideológica e dimensão global. Já o BRICS nasceu em um mundo que se fragmenta cada vez mais e que é cada vez mais intolerante com relação a todo e qualquer tipo de polarização do sistema mundial.
Sobre a Indonesia
Os BRICS nasceram de pautas econômicas, mas tem sido cada vez mais visto como um grupo que defende uma perspectiva geopolítica distinta dos países do G-7, particularmente diante da intensificação da competição EUA-China e a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Jokowi disse que o país iria “realizar um estudo e cálculo aprofundado” antes de apresentar uma manifestação oficial de interesse da adesão ao bloco, talvez sua presença na cúpula tenha reforçado a ideia de uma entrada certa.
O presidente tem procurado usar a voz da Indonésia nas instituições regionais e globais para amplificar a sua visão de política externa centrada no mercado e economia internos. Ele procura sempre tocar em temas como mundo mais igualitário, inclusivo e multipolar, e isolar a Indonésia das tensões geopolíticas, ainda que essa margem de manobra esteja cada vez mais estreita.
É verdade que entrar no BRICS poderia significar outro canal para essa voz, no entanto, Jacarta já figura numa longa lista de instituições, três das quais presidiu recentemente – ASEAN (2023), o G-20 (2022) e MIKTA com México, Coreia, Turquia e Austrália (desde março). A Indonésia também conseguiu exercer liderança em outros fóruns, como o assento não permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas 2019-2021 e como presidente da Associação da Orla do Oceano Índico em 2015-2017. Atualmente Jacarta vem pleiteando ser membro da OCDE, seu status é de “parceiro-chave”, como Brasil, a China, a Índia e a África do Sul, também são.
Uma forte pauta internacional que o presidente também tem sugerido também é a formação de um novo organismo de exportadores de matérias-primas semelhante à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), e de novo, a entrada no BRICS também poderia fortalecer e ser mais um canal para isso considerando o peso dos países membro nesse setor, mas muita divergência entre eles teria que ser sanada para sonhar com algo assim.
O equilibrio entre a sua tentativa de aderir à liga dos países mais desenvolvidos e ao mesmo tempo construir apoio entre os países em desenvolvimento continuará a ser um tema a observar. Por outro lado, a visão de política externa de Jokowi faz com que a Indonésia se limite a defender uma abordagem reativa, o problema é que o momento é de realinhamento e reagrupamento de forças em um mundo que se reajusta nos espaços vazios de poder deixando pelas potências dos últimos três séculos, principalmente na região do Indo-Pacífico
Outros dois pontos que todos os “analistas” ignoraram são:
1 – Ano que vem haverá eleições no país, e se um líder totalmente diferente de Jokowi for eleito, nada disso terá adiantado. Muito embora valha ressaltar que essas grandes viradas de visão de mundo sejam muto mais comuns na América Latina. Mas a Indonésia não deixa de correr o risco de fazer como a Argentina em uma eventural vitória do Milei, a candidatura, a aceitação, a estrutura ser montada para o líder seguinte mandar fechar tudo em uma canetada.
2 – E o principal, a ASEAN. Realmente faz tanta diferença assim ser membro do BRICS para um país que ja coordena a ASEAN? Organismo multilateral infinitamente mais estruturado, com inúmeras conquistas econômicas e geopolíticas, e que tende a sofrer assédio das grandes potências devido ao seu lugar geográfico do mundo muito maior do que o BRICS. A Asean já possui suas visões de mundo como o “Asean way” e o “Asean centrality”, souberam jogar o jogo da guerra fria e se adaptar ao pós de uma forma ímpar.
Em suma, o que se viu nas redes foi uma mistura de desinformação com falta de informação, acrescida de uma enxurrada de torcida.
Sobre o Brics:
O prof Fiori, em uma entrevista ao Jornal GGn classificou o brics como:
uma organização militar do tipo OTAN, nem é uma organização econômica do tipo União Europeia. Nasceu como um de ponto de encontro – quase informal – e um espaço de convergência geopolítica e econômica, entre países situados fora do núcleo central das grandes potencias tradicionais, concentradas sobre o eixo do Atlântico Norte. Países que não são atrasados, nem, subdesenvolvidos, nem dependentes e que já são, ou se propõem ser grandes potências econômicas e políticas dentro de seus respectivos tabuleiros regionais.
O analista geopolítico Andrew Korybko resumiu um artigo sobre o tema com o seguinte parágrafo:
a decisão da Indonésia de deixar passar a oportunidade de participar na expansão histórica dos BRICS foi impulsionada por fatores geopolíticos e não por fatores económico-financeiros. Ao adoptar uma abordagem de esperar para ver, espera manter laços equilibrados com os principais protagonistas sino-americanos da Nova Guerra Fria, preservando ao mesmo tempo a unidade da ASEAN. Estes cálculos podem mudar até à próxima cimeira dos BRICS, uma vez que muita coisa poderá acontecer antes disso, mas ainda se espera que permaneçam constantes, a menos que algo significativo ocorra.
O também excelente analista geopolítico Fábio Reis Vianna resumiu o Brics como:
Os BRICS não só são importantes. São fundamentais. Mas o sistema interestatal é hierárquico e competitivo. Sendo assim, os Estados nacionais atuam em nome de seus interesses nacionais. Alianças sempre existirão, mas não existe um projeto uníssono em nome de abstrações internacionais coletivistas.
Conclusão
A Asean é e sempre será o pilar principal da Indonésia, ela cumpre não só sua função regional de paz e prosperidade econômica, quanto de organismo multilateral chave de possuir acordos com praticamente todos os polos de poder e de mercado do mundo. Não faz sentido comparar a situação do Brasil no cenário internacional com a da Indonésia por nenhum prisma.
A Indonésia não tem a pressa de desdolarizar sua econômica, e já possui o Yuan forte em seu comércio, ao contrário da maioria dos membros, não está fora do Swift, como Rússia e Irã, não tenta ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, ao contrário de Brasil e Índia, não possui questões de segurança com vizinhos que possa usar o bloco como mediador, como Egito e Etiópia. E já foi dito que outras expansões no futuro virão, então para que ter pressa de entrar agora?
O caminho se faz caminhando, o Brics pode de fato reformular a governança global, como pode se tornar mais uma organização natimorta, só há um jeito de saber que é fazendo. Seus membros possuem isso em comum: não se ver devidamente representado nas organizações internacionais em comparação ao seu peso de fato no mundo. Praticamente todos eles acreditam que a ordem criada pós 1945 já não lhes representa mais e que Bretton Woods já não mais se sustenta.
Vale lembrar também que pauta divergente não significa excludente, o que os grandes movimentos geopolíticos do mundo mostram é que para toda ação há uma reação. Assim como o ataque russo gerou um fortalecimento da Otan, o avanço das sanções gerou uma aliança sem limites entre Rússia e China. E assim o mundo caminha, o BRICS é tanto uma reação a uma ordem internacional em colapso, como será a ação para muitas outra reações. E que muitas delas vão tentar freá-lo.
Referências
Gente, vamos acordar do boa noite cinderela multipolar. Os BRICS não só são importantes. São fundamentais. Mas o sistema interestatal é hierárquico e competitivo. Sendo assim, os Estados nacionais atuam em nome de seus interesses nacionais. Alianças sempre existirão, mas não…
— Fabio Reis Vianna (@Contextogeo) September 9, 2023
https://korybko.substack.com/p/indonesias-wait-and-see-approach?utm_source=post-email-title&publication_id=835783&post_id=136625977&isFreemail=true&utm_medium=email
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https://jornalggn.com.br/brics/novo-brics-explode-a-ordem-internacional-por-jose-luis-fiori/?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=Twitter#Echobox=1693341990
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