Starlink no Vietnã
A SpaceX demonstrou interesse em entrar no mercado vietnamita nos últimos anos. Tudo começou em 2021, quando o site da Starlink anunciou que seu serviço estaria disponível no Vietnã até 2022. No entanto, o projeto enfrentou desafios devido a regulamentações locais e interrupção da pandemia, o que adiou seu lançamento até 2024. Em setembro de 2024, Tim Hughes, vice-presidente sênior de negócios globais e assuntos governamentais da SpaceX, apresentou um plano de investimento de US$ 1,5 bilhão para a Starlink ao presidente vietnamita To Lam durante uma cúpula das Nações Unidas.
A proposta para o Vietnã ressalta a importância do país como um mercado-chave de internet via satélite do Sudeste Asiático, o negócio auxiliaria o governo vietnamita com sua meta de acesso universal à internet e transformação digital. Lembrando que o país possui um mercado de cerca de 100 milhões de pessoas.
Ao mesmo tempo, espera-se que a Starlink aumente sua cobertura na maior parte do Sudeste Asiático até 2025. Dadas as disparidades notáveis na adoção da internet e no acesso à infraestrutura na região, há um potencial significativo para serviços de internet via satélite, especialmente no Vietnã. Outros fatores positivos são: geografia e mudanças climáticas. O Vietnã possui uma extensa cadeia de montanhas e vales, o que dificulta alguns tipos de transmissão, algo que não é problema para a Starlink, chegando com facilidade em comunidades remotas. Recentemente, o país tem sofrido com temporais, inundações e apagões, o que também ajudaria tem a Starlink como opção.
De acordo com o Speedtest Global Index, em novembro de 2024, o Vietnã ficou em 44º lugar entre mais de 100 países em velocidades móveis e 36º em velocidades de banda larga fixa. Há uma lacuna na velocidade da internet em províncias rurais e urbanas devido à infraestrutura limitada em áreas remotas. As operações de internet do país dependem fortemente desses cabos submarinos, resultando em interrupções e incidentes frequentes que levam à velocidade lenta e inconveniências para usuários domésticos.
Hanói possui um similar, de menos qualidade, claro. A internet via satélite no Vietnã começou com o lançamento do satélite Vinasat-1 em 2008, seguido pelo satélite Vinasat-2 em 2012. Esses satélites de telecomunicações geoestacionários têm uma vida útil de 15 anos, o que significa que o Vinasat-1 expirará oficialmente em 2023, seguido pelo Vinasat-2 em 2026. Essa situação levanta a necessidade de uma nova solução para garantir a continuidade do sistema de telecomunicações para as áreas continentais e costeiras já para o ano que vem.
Política
Nessa semana, o Vietnã aprovou uma legislação que permitiria que empresas estrangeiras pudessem atuar no país sem a presença de alguma subsidiária local tampouco obrigatoriedade de transferência de tecnologia, uma decisão é inédita e foi justamente esse ponto que travava a negociação desde 2021, nenhum dos lados topou ceder, aparentemente até aqui. É uma demonstração do lado vietnamita de que eles podem jogar o jogo da diplomacia transacional se o governo Trump quiser. No atual momento, é impossível desvencilhar Musk e suas empresas com o governo americano, por isso ambos estão se cruzando aqui o tempo todo.
Os vietnamitas são pragmáticas e sabem jogar o jogo, após uma guerra devastadora que foi até 1975, eles foram sancionados pelos americanos até 1995. E mesmo assim, já em 2001, eles assinaram o primeiro acordo comercial, o Acordo Bilateral de Comércio, que reduziu barreiras tarifárias e não-tarifárias, assim como facilitou a troca comercial e de investimentos entre ambos. Em 2007, o Vietnã aderiu à Organização Mundial de Comercio (OMC), aumentando laços comerciais com boa parte do mundo, e para fechar, outro ponto de virada foi ano passado com o Biden, quando elevaram a relação bilateral oficial entre os dois países “parceria abrangente” para uma “Parceria Estratégica Abrangente para a Paz, Cooperação e Desenvolvimento Sustentável”, mesmo status de China e Rússia. O máximo que Hanoi oferece.
Economia
Os americanos tiveram o quarto maior déficit comercial com o Vietnã no ano passado. Em 2024, o superavit em favor dos asiáticos chegou a espantosos US$ 123 bilhões, ou seja, 3% de tudo o que os EUA importam, veio do Vietnã. Curiosamente, com a China é o inverso, as exportações do Vietnã para a China totalizaram US$ 61,2 bilhões. Enquanto isso, as importações aumentaram para US$ 144 bilhões, de acordo com a Câmara de Comércio e Indústria do Vietnã.
Em 2023, as exportações de bens e serviços do Vietname representaram 87,18% do seu PIB, uma economia altamente dependente da manutenção do atual momento econômico e financeiro global, turbulências geopolíticas e geoeconômicas tendem a afetar o Vietnã mais do que a maioria dos países, o país possui acordo de livre-comércio com EUA, o Japão e o Reino Unido, bem como acordos regionais com a UE e a União Económica Eurasiática. E está em grandes acordos econômicos como o RCEP e o CPTPP.
Em 2024, o PIB do Vietnã foi estimado em US$ 476,3 bilhões, a economia digital foi responsável por 16,5% do PIB do Vietnã em 2023, e as projeções para 2024 mostram que ela aumentará para 18,6%. Portanto, espera-se que a internet via satélite suporte e aprimore a infraestrutura de internet existente do Vietnã para acomodar o número crescente de atividades online em todo o país. Hanoi desfruta de uma taxa de penetração de internet relativamente alta de 79,1%. A projeção é que o número de usuários de internet chegue a 100 milhões até 2029, com um terço da população com idade entre 13 e 34 anos em 2024.
Guerra comercial
Mês passado, O primeiro-ministro vietnamita, Pham Minh Chinh, reuniu-se com todo o seu gabinete e mandou que todos se preparem para uma possível guerra comercial global depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs tarifas de 10% sobre todos os produtos chineses. “Preparem-se para a possibilidade de uma guerra comercial mundial este ano”, disse ele. Pham disse ao Gabinete que a situação no mundo e na região estava “se desenvolvendo de forma muito imprevisível, afetando diretamente nosso país, especialmente nas exportações, na produção e nos negócios, e na macroeconomia”.
Ele enfatizou que se uma guerra comercial global ocorresse, com os países impondo tarifas retaliatórias sobre as exportações uns dos outros, isso poderia interromper as cadeias de suprimentos e reduzir os mercados de exportação do país, representando riscos significativos para a economia do Vietnã. Para além da pressão americana por diminuir déficits, colocando, portanto, o Vietnã no olho do furacão, há o outro lado, pressão de Pequim por aumento de importações também visando se prevenir de uma eventual guerra comercial.
O momento é delicado, Hanoi enfrenta pressão por todos os lados, é amplamente sabido que a China usa parceiros do sudeste asiático para montar fábricas para fugir das sanções, recentemente os EUA impuseram sanções a empresas malaias de energia limpa por ser de capital chinês. O que significa que elas estão reembalando seus produtos chineses com o mínimo de mão de obra de trabalhadores vietnamitas e os exportariam sob o rótulo “Made in Vietnã”. Um investimento que Hanoi também não pode abrir mão.
Empresas
Segundo pesquisa da Câmara de Comércio Americana no Vietnã a maioria dos fabricantes dos EUA prevê demissões nas operações do Vietnã com eventuais tarifas de Trump, A pesquisa foi realizada de 4 a 11 de fevereiro. “Entre os fabricantes, quase dois terços preveem possíveis demissões”
A pesquisa é baseada em informações de mais de 100 membros da AmCham Vietnam, que incluem grandes empresas multinacionais como a Intel e a Nike. O Vietnã lucrou nos últimos anos com grandes investimentos de fabricantes que transferiram operações da China depois que Trump impôs tarifas a Pequim em 2018, durante seu primeiro mandato.
Mais de 60% do estoque de US$ 500 bilhões em investimentos estrangeiros do país está na indústria, de acordo com dados do governo do Vietnã atualizados em janeiro. O país é um grande exportador também de semicondutores, o que nominalmente Trump já disse que deve taxar, mas referindo-se a Taiwã.
“Muitas empresas temem que o aumento de custos devido às tarifas possa interromper as cadeias de suprimentos e forçá-las a repensar suas operações”, disse a AmCham em um comunicado à imprensa, observando que 94% dos fabricantes esperam um impacto negativo.
Por outro lado, a AmCham disse que 41% dos entrevistados estavam considerando diversificar seus negócios para além do mercado dos EUA, que é o mais importante para o Vietnã no momento. “Essa mudança pode fazer com que as empresas redirecionem as exportações para outros mercados ou ajustem as cadeias de suprimentos para reduzir sua dependência dos EUA”. Enquanto tenta escapar das garras de Trump, o Vietnã busca diversificar parceiros.
Conclusão
Claramente um movimento para evitar tarifas e acariciar a dupla Trump-Musk nesse momento crucial do Vietnã, que tem investido pesado para romper a barreira da renda média e é altamente dependente de exportação, um cálculo que tem que ser visto sob uma lente multifocal. Até aqui o país se saiu muito bem em jogar o jogo do realismo político nesses seus 50 anos de soberania, mas vale enfatizar a especificidade do atual momento.
Precedente é a palavra-chave do momento, o Vietnã cedeu em um dos seus maiores princípios internos, a condição para empresas estrangeiras. Com essa exceção, o que impede de os chineses pedirem o mesmo para alguma gigante nacional? E como Hanoi conseguirá ceder à pressão e continuar sendo considerada no campo dos neutros? Pode-se até alargar a possibilidade lembrando que a nação asiática possui um superávit enorme com os europeus, e se eles adotarem uma linha Trump e solicitarem o mesmo?
Ainda que improvável, é possível que o mundo entre nessa aspiral retaliatória, e aí, o Vietnã terá perdido muito mais do que ganhado com esse perigoso precedente aberto. Isso sem mencionar que o Musk pode entrar em rota de coalizão com o Trump a qualquer momento e sair do governo, e possivelmente brigado com ele, o precedente seguirá aberto sem benefício político algum, apenas o comercial, e de alto risco, considerando as informações nacionais que Musk poderá ter acesso, ainda que, ironicamente, ele interfira apenas em países democráticos.
Referências
https://www.reuters.com/markets/us/most-us-manufacturers-forecast-layoffs-vietnam-operations-with-trump-tariffs-2025-02-20/
https://www.voanews.com/a/vietnam-braces-for-fallout-from-us-tariffs-on-chinese-goods/7967258.html
https://www.rfa.org/english/vietnam/2025/02/20/vietnam-starlink-internet-elon-musk/
https://www.vietnam-briefing.com/news/satelitte-internet-vietnam-spacex-starlink.html/
Dia a dia muito corrido? Ouça todos esses posts enquanto faz suas tarefas:
Quer ainda mais informação com direito a enquete diária sobre o sudeste asiático? Siga o Insta:
Interesse em conversar sobre Relações Internacionais e política local? Bora twitar: