A guerra do Yêmen e a reputação Saudita.
O Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe, tem sido devastado por uma guerra civil. De um lado estão as forças oficiais do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi, apoiadas por uma coalizão sunita liderada pela Arábia Saudita. Do outro, está a milícia rebelde Houthi, de xiitas, apoiada pelo Irã.
Após a chamada Primavera Árabe de 2011, tentou-se criar um governo de transição no país, que forçou a saída do poder do então presidente Ali Abdullah Saleh após 33 anos no poder, e passou o comando do país para o seu então vice, Hadi.
O novo comandante logo de início enfrentou muitos problemas, como, ataques da Al-Qaeda, movimento separatista no sul, a resistência de muitos militares que continuaram leais a Saleh, corrupção, desemprego e insegurança alimentar.
Os Houthis, movimento xiita chamado Zaidismo que travou uma série de batalhas contra o então presidente Saleh na década anterior, tiraram proveito da fraqueza do novo presidente e tomaram o controle da província de Saada, no nordeste.
Desiludidos, muitos iemenitas, incluindo os sunitas, apoiaram os houthis e, em setembro de 2014, entraram na capital do país, Sanaa, montando acampamentos nas ruas e bloqueando as vias. Em janeiro de 2015 eles cercaram o palácio presidencial e colocaram o presidente Hadi e seu gabinete em prisão domiciliar. O presidente conseguiu fugir, mas os houthis tentaram tomar o controle do país inteiro e Hadi teve que deixar o Iêmen.
Alarmados com o crescimento de um grupo que eles acreditavam ser apoiado militarmente pelo Irã, a Arábia Saudita e outros oito Estados sunitas árabes começaram uma série de ataques aéreos para restaurar o governo. Essa coalizão recebeu apoio logístico e de inteligência de Estados Unidos, do Reino Unido e da França.
A guerra no Iêmen tem sido um desastre para os interesses dos EUA e da Arábia Saudita. Após 3 anos e meio, ela desencadeou a maior catástrofe humanitária do mundo: dezenas de milhares de civis foram mortos e 14 milhões de pessoas estão em risco de morrer de fome. Também tem sido um erro estratégico, produzindo exatamente o que a coalizão liderada pela Arábia Saudita foi projetada para evitar.
A pressão internacional pela resolução desse conflito e o questionamento da eficácia da aliança EUA e Arábia vêm aumentando significantemente, principalmente após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi no consulado saudita em Istambul, em outubro.
Os houthis estão mais sofisticados militarmente e mais capazes de atacar além de suas fronteiras, a influência iraniana se expandiu e a relação entre os Houthis e o Hezbollah do Líbano só se aprofundou.
Há apenas uma maneira expedita para a Arábia Saudita acabar com essa guerra: parar sua campanha militar unilateralmente e desafiar os houthis a responder da mesma forma. Essa demonstração de boa vontade para um início de conversas de paz não acabará com a guerra, mas criará as condições necessárias para que as negociações tomem forma. Os Estados Unidos deveriam liderar uma aliança de poderes para pressionar a Arábia Saudita a tomar esse primeiro movimento para não deixar que a guerra se arraste.
Impopular e com problemas de saúde, o presidente Hadi sabe que é considerado dispensável, r por isso dificulta as negociações. Mas substituí-lo será ainda mais complicado, seu vice-presidente, general Ali Mohsen, é odiado pelos Houthis por seu papel nas guerras brutais contra eles de 2004 a 2009.
A demora em dar esse primeiro passo para negociações pode trazer outro problema, os houthis podem considerar que os sauditas perdem mais com a continuidade da guerra do que eles, passando a fazer mais exigências quando elas vierem a acontecer. E há uma chance de que isso possa ser interpretado como uma vitória para o Irã.
A Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos exageraram o grau de influência iraniana sobre os houthis no início da guerra como parte de sua justificativa para intervir. Mas hoje, embora os Houthis ainda não sejam uma subsidiária do Irã, da mesma forma que, por exemplo, o Hezbollah no Líbano, a influência iraniana no Iêmen cresceu significativamente.
A prolongada guerra pode produzir o mesmo resultado que as guerras no Iraque e no Líbano: uma presença iraniana permanentemente entrincheirada que opera por meio de procuradores militares e pode finalmente direcionar a política interna.
Os riscos de segurança para a Arábia Saudita de uma milícia do Hezbollah cada vez mais sofisticada e da crescente presença militar iraniana do outro lado de sua fronteira são claros e se tornam mais agudos à medida que a guerra continua. Um cessar-fogo saudita unilateral salvará vidas e poderá mudar a narrativa da guerra para se concentrar nessas ameaças reais. Mas é pouco provável que faça isso, a menos que os Estados Unidos demonstrem que continuar a guerra terá um custo para o relacionamento entre os dois países.
Depois de três anos e meio, os objetivos da coalizão continuam indefinidos, as condições no local se deteriorando, a situação humanitária piorando, as doenças se espalhando e os houthis mais arraigados do que nunca. O Iêmen precisa desesperadamente de negociações de boa fé sobre acordos políticos e de segurança de longo prazo.