Taliban e o Afeganistão

 

O enviado dos Estados Unidos,Zalmay Khalilzad, para a reconciliação do Afeganistão se encontrou com os representantes do Taliban no Qatar, Afeganistão e Paquistão. Khalilzad agora diz que está “cautelosamente otimista” em relação a um acordo de paz até abril do ano que vem.

Acontece que, após uma série de vitórias que lhes deixou com cerca de 250 dos 400 distritos do país, o grupo tem poucas razões para se comprometer com um processo de paz. Esses ganhos ainda não são suficientes para representar uma ameaça existencial ao governo afegão apoiado pelos  EUA, mas estão motivados a virar o jogo. Mesmo que Khalilzad consiga trazer o Taliban para a mesa de negociação, dificilmente seus esforços produzam uma paz duradoura.

Os insurgentes anunciaram uma operação militar chamarada “Al Khandaq”, que se refere a uma batalha histórica travada pelo profeta Maomé, como uma campanha para “esmagar, matar e capturar” forças invasoras dos EUA e de seus aliados. Eles rejeitaram o governo afegão que alegam ser “um fantoche corrupto dos EUA” e que os EUA estão “sabotando todas as chances de paz”.

A campanha militar de “Al Khandaq” foi um sucesso estrondoso. Eles fizeram incursões nas províncias do centro e do norte do país, uma vez firmemente sob o controle do governo. Em novembro, até fizeram uma visita aos bairros xiitas de Ghazni, um reduto anti-Talibã ao sul de Cabul, provocando pânico e manifestações na capital.

Apesar de prometer ataque às forças americanas, o grupo focou nas milícias locais designadas para proteger áreas rurais pró-governo. Nas províncias do norte, mataram centenas de milicianos e os forçaram a se render ou recuar para cidades maiores.

Em vez de capturar cidades, a estratégia agora é tomar as estradas que as ligam. O anel viário que liga Cabul a Kandahar, no sul, e Herat, no oeste, viraram postos improvisados onde o grupo revista e até executa quem está de passagem.

Com uma máquina de propaganda que funciona 24 horas por dia para divulgar essas conquistas, principalmente entre os próprios ativistas e apoiadores do grupo, os comandantes se apaixonaram por aplicativos que fornecem um fluxo diário de conteúdo multimídia, ostentando vitória após vitória. Ainda que esses smartphones possam ser rastreados pelos EUA, persistem os videos de inimigos sendo capturados e mortos pelo grupo.

As decisões são tomadas coletivamente, com o peso maior aos interesses da ala militar, e transmitidas a outros comandantes. O Taliban também opera uma Comissão Política, que muitas vezes está nas manchetes porque é baseada no Qatar e atua como representante internacional do grupo. Mas os homens da Comissão Política são efetivamente diplomatas que recebem ordens do grupo de liderança.

Esse coletivo decidiu que a força do campo de batalha garante uma agenda política ambiciosa focada inteiramente na retirada dos EUA. Sem ela, os líderes se recusam a negociar. A verdadeira causa do conflito no Afeganistão, segundo os representantes do Taliban, é a presença contínua de tropas americanas, e o grupo estará aberto a compromissos assim que as tropas estiverem fora.

Oficialmente, a política dos EUA continua a incentivar os talibãs a negociar com o governo afegão, o governo em Cabul continua comprometido com as negociações de paz, mas mostrou sinais de desconforto com o nível de envolvimento dos EUA, temeroso de perder o controle do processo de paz.

Até o presente momento, o Taliban permanece desinteressado em compromissos políticos e firme em sua recusa pública de negociações com o governo afegão. Seus líderes parecem confiantes de que podem gradualmente desgastar os EUA até que desistam de seu apoio militar ao governo em Cabul. Os combatentes do Taliban estão certos de que os Estados Unidos vão retirar suas tropas até 2020.

Com tudo, o Taliban não é mais o mesmo de 25 anos atrás, quando conseguiu capturar o poder e impor um governo autoritário. Os cidadãos afegãos de hoje esperam segurança, liberdade, gestão econômica e relações internacionais de seu governo, e poucos acreditam que o Taliban possa proporcionar isso.

Nenhum ator internacional cogita fornecer apoio logístico ou militar ao grupo, e mesmo com as recentes tensões entre os Estados Unidos, Rússia, China e Irã, essas potências ainda concordam amplamente que um Afeganistão bem governado não deve ser um refúgio terrorista do tipo que o Taliban administrava antes de 2001.

Militarmente, os talibãs são mais fracos do que sua propaganda sugere, os combatentes ficaram presos em uma fase de guerrilha, sofrendo pesadas baixas e seus ganhos recentes no campo não são prova suficiente das habilidades táticas dos insurgentes, pois também são um testemunho da má gestão de Cabul de suas milícias locais.

Durante um cessar-fogo em junho, combatentes invadiram cidades afegãs e falaram abertamente sobre seus desejos de paz, aumentar a eficácia e a legitimidade democrática do governo também ajudaria a causa da paz

Os Estados Unidos podem não conseguir uma saída responsável até 2020, mas ainda há chance de melhorar a situação no local e reduzir a capacidade do Taliban. Um esforço em prol do futuro dos interesses comuns do Afeganistão e dos Estados Unidos.

Texto retirado originalmente de “The Taliban´s Battle Plan” de Michael Semple, publicado na Foreign Affaris