Criptomoedas – Um olhar Geopolítico

Segue abaixo texto que fiz para a pós que estou cursando, gostaria de fazer duas observações:

1 – Claro que  muitos outros focos e exemplos poderiam ser citados, mas não quis que o texto ficasse muito grande até para não fugir muito do que foi pedido em aula.

2 – Não coloquei links como referências para agilizar o processo e também porque não foi solicitado pelo professor, mas caso alguém queira fontes pode me chamar que está tudo guardado.

 

Bitcoin e os criptoativos

Em discussões internacionais como o G20 e o FMI, as critpmoedas (bitcoin e mais de 2.000 alcoins) são chamadas de criptoativos devido ao fato de haver uma incerteza dessa ferramenta no que tange aos três princípios básicos de moeda: reserva de valor, unidade de conta e meio de troca.

Em outubro de 2008, um desenvolvedor que se denominou como Satoshi Nakamoto, lançou um artigo chamado bitcoin: a peer-to-peer electronic cash system. Esse artigo propunha um sistema de transações eletrônicas confiáveis sem a mediação de um terceiro (bancos). A proposta tinha como base o sistema Blockchain, onde, teoricamente, as transações poderiam ser feitas e verificadas de forma descentralizada e por meio de prova criptográfica, e assim nasce o Bitcoin.

O Bitcoin foi o primeiro criptoativo, a Etherum, a Ripple e todos os outros são chamados de Alcoins, nem todos são totalmente descentralizados. O funcionamento depende de uma tecnologia chamada Distributed Ledger Technology (DLT), uma rede descentralizada peer-to-peer por meio da qual é possível registrar e validar transações sem o intermédio de uma autoridade central, blockchain é uma espécie de DLT.

Ele possui a função de um livro-razão de contabilidade pública, onde são registradas as transações feitas em bitcoin. Sendo assim, o Blockchain não precisa de confiança em uma entidade central para que seus dados de contabilidade estejam corretos e não sejam fraudados. A validação das transações no Blockchain é o que permite que se saiba, com prova criptográfica, o que pertence a quem.

Os principais argumentos para a adoção dos criptoativos em geral são:
– Descentralização, liberdade e confiança – o sistema não requer uma autoridade central, seu estado é mantido por consenso distribuído.
– Oportunidades de integração global – podem ser utilizados em todo o mundo, o que é muito importante em um contexto de integração econômica, política e legal.
– Oportunidades de renda – potencial para atrair muitos investidores já que supostamente não há controle estatal nem impostos.
– Redução de custos – ao contrário do dinheiro tradicional, o criptoativo não é emitido na forma de moedas ou notas. Diminuindo os custos de produção e proteção contra falsificação.

Enquanto os principais argumentos contra são:
– Falta de abordagens legislativas claras – como veremos a seguir, a maioria dos países não possuem uma legislação definitiva sobre o tema.
– Falta de garantias estatais – se o estado não emite e controla o ativo, ele também não pode garantir sua existência.
– Volatilidade e altos riscos para o investidor – a maioria dos criptoativos está sujeito a flutuações diárias muito significativas em seu valor.
– Altos riscos tecnológicos – incertezas de como proceder em caso de ataque hacker ou blackout do sistema.

Revolução 4.0

A revolução 4.0 ou indústria 4.0, caracteriza-se por um conjunto de tecnologias que permitem a fusão do mundo físico, digital e biológico, também chamada de internet das coisas ou quarta revolução industrial. Este conceito engloba as principais tecnologias disponíveis no mundo e tende a ofertar produtos e serviços mais personalizados e customizáveis e para seus clientes ao mesmo tempo em que entrega menos custos e maior produtividade aos produtores.

Esta revolução está a provocar alterações profundas, não só na indústria, mas também na sociedade, na economia, nos valores, nos relacionamentos, nas compras e vendas, na economia partilhada, na inovação colaborativa, na manufatura aditiva, nas redes sociais, nas plataformas digitais, entre outras. O mundo anda a velocidades diferentes, aumentando cada vez mais o fosso entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, entre indústria de vanguarda e as outras, é preciso entender as oportunidades e os riscos de forma a criar vantagem competitiva.

A visão e execução de “fábricas inteligentes” com as suas estruturas modulares, os sistemas ciberfísicos monitoram os processos físicos, criam uma cópia virtual do mundo físico e tomam decisões descentralizadas. Com essa internet das coisas, os sistemas comunicam e cooperam entre si e com os humanos em tempo real.

Tornar a indústria 4.0 uma realidade implicará a adoção gradual de um conjunto de tecnologias emergentes de T.I (tecnologia da informação) e automação industrial, na formação de um sistema de produção físico-cibernético, com intensa digitalização de informações e comunicação direta entre sistemas, máquinas, produtos e pessoas.

Desconfiança global

O nascimento do Bitcoin no ano de 2008 não é por acaso, ele surge diante da crise financeira dos EUA que se espalha por todo o mundo, criou-se ali uma desconfiança generalizada com Bancos Centrais que “imprimem dinheiro” sem o devido controle.

O tipo de entendimento que agrada uma parcela da população global que alguns chamam de “neoliberal”, outros de “anarcocapitalistas”, que são as pessoas que acham que o Estado deveria acabar ou cuidar no máximo de segurança, saúde e educação que o resto o mercado regula. Há também os simples especuladores que também atuam nas bolsas de valores do planeta.

Mesmo setores menos radicais questionam a recente liquidez do mercado mundial, para muitos economistas, essa intervenção em grande escala encurta os ciclos de crises que são naturais do capitalismo, as distorções no mercado são cada vez maiores e, portanto, buscar Criptoativos como recurso paralelo faz todo sentido.

Mais peso do que o desejo dos indivíduos, há o da disputa entre nações, questões geopolíticas que costumam ser ignoradas em análises financeiras, de mercado e de bolsas importam. O dólar ser a moeda do mundo não é algo “natural”, isso acontece por uma série de eventos em cadeia, assim como foi a libra anterior a ele, e assim vai.

No período pós Guerra Fria com a suposta vitória do ocidente (liberalização) contra o oriente (mercados regulados), veio a globalização em escalas maiores, ela foi marcada por ausência de controles de capitais por parte dos estados e desregulamentação generalizada dos sistemas financeiros de cada nação.

Nesse contexto, as taxas de câmbio começaram a acompanhar o aumento do fluxo de capitais, principalmente, os diferenciais de juros e a capacidade de intervenção sobre o câmbio tornou-se ainda mais dependente do volume de reservas internacionais nos bancos centrais, sobretudo em dólares ou em títulos da dívida pública dos EUA.

Acompanhar o cenário acumulando reservas de dólares passou a ser política dos Estados. A china, por exemplo, passou de 20 bilhões de dólares em reservas em 1990 para quase 4 trilhões em 2016. A busca desenfreada pelos títulos da dívida pública dos EUA permitiu com que o país gastasse sem grandes preocupações. De 30% do PIB nos anos 80 para os mais de 100% atualmente.

Portanto, não dá para falar em “movimento natural” ou “mão invisível do mercado” em um cenário claramente ditado por situações históricas e políticas. Para entender o posicionamento de instituições privadas, estados e fóruns internacionais sobre criptoativos é preciso analisar o “macro”, que no fim das contas pesa muito mais sobre o esquecimento ou o sucesso da novidade digital.

Inflação pobreza e violência

A inflação galopante de alguns países também torna a adoção total ou em partes dos Criptoativos atraentes. O Quênia tem usado um sistema de pagamento similar chamado M-pesa há anos. Ele começou como uma ferramenta de empréstimos, mas rapidamente se incorporou ao comportamento dos clientes e evoluiu para uma ferramenta de remessa de dinheiro. Hoje, este serviço fundamental de envio e recebimento de dinheiro é dominante.

Na índia, estima-se que 93% dos trabalhadores indianos vivam na informalidade e somente 3% de todas as transações passem por bancos. Sem condições de pertencer ao sistema bancário, o governo tem incentivado o uso de alguns sistemas de pagamentos similares ao queniano ainda que enfrenta muitas barreiras como o analfabetismo da população.

Em ambos os casos a ideia de não portar cédulas em regiões de muita desigualdade e violência também pesam na hora da decisão, principalmente em países que são necessários grandes quantias delas para compras corriqueiras.

Sanções

E se tratando de movimentos artificiais do mercado nada é mais impactante do que as sanções. Quando um país é sancionado quer dizer que ele está proibido de fazer comércio com quase todo o planeta, mas como isso funciona?

A Swift (Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais) é uma sociedade cooperativa internacional, com sede em Bruxelas, fundada em 1973 por 239 bancos de 15 países com o objetivo de criar um canal de comunicação global entre seus participantes, bem como padronizar transações financeiras internacionais.

Atualmente a grande maioria das transações interbancárias internacionais, como ordens de pagamento e transferências bancárias, são realizadas por meio da rede Swift. Esta rede permite a troca de mensagens eletrônicas em um meio altamente seguro, onde cada banco possui um endereço próprio, chamado de código Swift.

Em 2019, mais de 11.000 instituições membros da entidade enviaram aproximadamente 33,6 milhões de transações por dia através da rede em mais de 200 países diferentes. E empresa se declara neutra, e mover-se para Bruxelas pode ser visto como uma estratégia de demonstrar autonomia e transparência, mas ela obrigatoriamente vinculada às leis dos países em que está sediada.

Excluídos do sistema

Com guerras convencionais cada vez mais reprováveis, as sanções econômicas são as grandes ferramentas políticas do mundo de hoje. Um exemplo do quão devastador é ficar de fora do sistema é o caso recente do Irã. Em março de 2012, foi para a lista negra, como resultado, as exportações de petróleo do país caíram de cerca de 2,5 milhões de barris de petróleo em 2011 para cerca de 1 milhão em 2014.

A proibição foi amplamente vista como fundamental para trazer o Irã à mesa de negociações que levou ao acordo iraniano-nuclear de 2015. Quando os bancos iranianos foram reconectados, as exportações de petróleo aumentaram novamente. Nesse período o PIB saltou 385 bilhões de dólares para 454 bilhões, mesmo sem ter tido todas as sanções retiradas.

Totalmente isolada do mundo, a Coreia do Norte está, segundo relatórios da Onu, roubando Criptoativos através de ataques cibernéticos para financiar seu programa de mísseis nucleares entra outras coisas. São pelo menos 35 casos suspeitos de ataques de instituições financeiras e câmbios de criptoativos e realizando atividades destinadas a ganhar moedas estrangeiras.

Segundo o relatório, os ataques maciços contra câmbios de criptomoeda permitem que a coreia do norte gere receita de maneiras difíceis de rastrear e sujeitas a menos supervisão e regulamentação do governo do que o setor bancário tradicional.

Rússia e China, outros dois grandes atores envolvidos em listas restritivas já possuem seus próprios sistemas de pagamento que pouco a pouco evoluem e aumentam o número de parceiros, uma rede com essa complexidade leva muito tempo para ter um tamanho considerável.

Conclusão

Povos e governos são reféns do Sistema Financeiro Internacional que possuem suas próprias regras e fazem pressão para que todos joguem dentro de algumas normas e condutas que beneficiam alguns em detrimento e outros, lembrando que na política não existe o neutro, o não fazer também é um ato.
A China tem como uma de suas metas econômicas transacionar com os países passando longe do dólar, em 2020 Pequim chegou a 50% na quantidade do seu comércio em moeda local, o que representa cerca de 4 trilhões de dólares e o yuan passou a representar 2% de todas as transações mundiais.

Congressistas estadunidenses falam abertamente que moedas virtuais são uma ameaça porque elas podem fragilizar o poder do dólar no mundo. É possível que, em breve, ocorram choques violentos, tentativas de reordenamento e enquadramento promovido pelos EUA para defender a posição do dólar, como os choques do petróleo de 1973-74 e dos juros de 1979.

Nos últimos anos, pesquisadores começaram a investigar a correlação entre a crescente diminuição do peso do dólar na economia mundial e um possível conflito em larga escala, e os Criptoativos são peças centrais desse processo, sendo os totalmente descentralizados ou os com algum tipo de mecanismo de controle.

A taxa de adesão por parte de grandes entidades acaba por ser um reflexo do quão inserido ou não no Swift seus órgãos estão. No fim das contas o que vai pesar em uma adesão global significativa é a concordância de governos, não de pessoas, devido ao volume de valores que eles são capazes de realizar.

O mundo está chegando a um ponto onde uma organização individual pode trabalhar para formar parcerias e servir de base para uma nova moeda digital multinacional, que pode ou não receber a bênção do FMI e de vários governos. É um mundo no qual um indivíduo ou empresa pode inventar o dinheiro e isso é, ao mesmo tempo, fantástico e assustador.
 

 

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