Malásia, o Brics e a China
Em 29 de julho, o primeiro-ministro malaio Anwar Ibrahim anunciou que a Malásia havia se candidatado para se juntar ao BRICS. Como foi com a Indonésia, e será com todo país que o fizer, surgiram analises ligando o pedido com um suposto alinhamento com a China ou “antiocidental”. Assim como disse no episódio da Indonésia, repito: Há muito mais em jogo do que a bipolaridade da Guerra Fria. Ao contrário desse período, o BRICS nasceu em um mundo que se fragmenta cada vez mais e que é cada vez mais intolerante com relação a todo e qualquer tipo de polarização do sistema mundial.
A Malásia está fortemente conectada com as econômicas ocidentais, faz parte do Indo-Pacific Economic Framework (IPEF) e o anteriormente liderado pelos EUA Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific Partnership (CPTPP), também é membra da Commonwealth. Ela também mantém laços militares estreitos com os EUA, incluindo compras frequentes de armas, exercícios conjuntos e programas de treinamento, e isso deve se intensificar conforme a relação com Pequim se complica, China que é a maior parceira comercial da Malásia, absorvendo 17,1% de seu comércio total no ano passado.
A política externa da Malásia continua não alinhada, uma postura que remonta à década de 1970, quando se juntou ao Movimento de Não Alinhamento e estabeleceu relações diplomáticas com a China, ela também pertence à Organização para a Cooperação Islâmica, e claro, a Asean.
Há quatro razões pelas quais a Malásia pretende se juntar ao BRICS. Todas são congruentes com seus interesses nacionais. Primeiro, a política interna é de suma importância. O público malaio tem demonstrado vocalmente seu descontentamento com as posições dos EUA e do Ocidente sobre a guerra de Israel contra o Hamas em Gaza. O assunto prejudicou drasticamente a imagem dos EUA entre os malaios, particularmente entre sua maioria muçulmana.
Dentro do BRICS, a China e a África do Sul têm feito esforços notáveis para pressionar pela paz em Gaza. A adesão ao bloco acontece nessa janela de oportunidade, ganha com seu público e não dá muita chance para contestação dos EUA nesse momento de imagem tão arranhada quase que no mundo todo.
Em segundo lugar, o BRICS pode permitir que a Malásia desempenhe um papel maior internacionalmente. Estima-se que os países do BRICS+ sejam responsáveis por 37,3% do PIB global. Juntar-se ao grupo significa buscar uma cooperação mais institucionalizada com potências emergentes. Por exemplo, como a influência global da Índia deve crescer, o BRICS pode ajudar a Malásia a promover um relacionamento mais estreito com a Índia, particularmente em segurança cibernética.
O agrupamento também pode ajudar a indústria de semicondutores da Malásia, que vem ganhando fortes investimentos, lembrando que recentemente o pm visitou o Modi em Nova Delhi e o tema de Defesa foi a principal pauta. Juntar-se ao BRICS fornece à Malásia mais opções e parcerias para reduzir riscos em vez de desenvolver dependência da China.
Terceiro, levar sua região junto. Como presidente da ASEAN em 2025, a Malásia pode usar o BRICS como uma plataforma para levar a voz da ASEAN a uma comunidade global mais ampla do sul, a visão particular de Anwar casa com esse movimento, em 1997 ele lançou o livro The Asian Renaissance, , nele o pm imaginou uma ordem global no que ele chama de “estilo asiático” baseada najustiça e equidade, com diversidade e inclusão, uma que deveria ser diferente de uma ordem ocidental. Se o BRICS tem o potencial de desafiar a atual ordem global liderada pelo Ocidente, a Malásia certamente quer fazer parte dela para influenciar o discurso e a direção de uma ordem revisada. Em vez de enfraquecer a centralidade da ASEAN, a Malásia precisa alavancar a ASEAN como um grupo coletivo para obter uma voz mais poderosa no BRICS.
Quarto. o BRICS fazer parte de uma estratégia de proteção do país, sinalizar descontentamento com Washington e pedir mais esforços da super potência em cortejar a região. Desde que assumiu o poder em novembro de 2022, Anwar fez uma visita oficial à China, mas ainda não fez uma viagem oficial aos EUA, apesar de participar de reuniões da ONU e da APEC lá. Parte disso reflete o crescente sentimento doméstico anti-EUA na Malásia, mas outra parte mostra a resposta da Malásia ao que os EUA ofereceram. A ausência de Washington da 43ª Cúpula Anual da ASEAN decepcionou muitos estados da ASEAN. Consequentemente, o anúncio da Malásia e a oferta anterior da Tailândia de se juntar ao BRICS são sinais para os EUA reavaliarem sua estratégia para o Sudeste Asiático.
No entanto, o quanto a Malásia pode se beneficiar do BRICS e administrar as percepções dos outros ainda precisa ser analisada no futuro, é no longo prazo que o pedido precisa ser analisado. Economicamente, a Malásia precisa atrair investimentos de qualidade e avançar na cadeia de valor global. Os países do BRICS podem ser parceiros de investimento valiosos, mas é improvável que substituam os EUA e a UE como as principais fontes de IED do país.
O outro lado
Muito se analisa os pedidos de entrada no Brics como aceno ou não ao ocidente, mas a recíproca é verdadeira, o pedido pode ou não ser um aceno para Pequim visando algo mais, como um distensionamento. O apetite da Malásia por petróleo e gás coloca-a em rota de colisão com a China em mar aberto na costa de Bornéu, plataformas industriais extraem enormes quantidades de petróleo e gás que alimentam a economia da nação. Um pouco além disso, em águas que a Malásia também considera suas, embarcações da guarda costeira chinesa e barcos da milícia marítima mantêm uma presença quase constante, dizem autoridades malaias. Por 10 anos, seu país fez pouco para contestá-los.
A Malásia é certamente o país que menos expõe seus litígios com a China nas questões marítimas, mas o país está ficando sem petróleo e gás perto da costa. Cada vez mais, ela tem que se aventurar mais para o mar, aumentando a probabilidade de confronto direto com as forças chinesas. À medida que as tensões aumentam, a necessidade da Malásia faz com que ela tenda a ser cada vez mais assertiva e antagonize Pequim mais e mais.
Pelo menos desde 2020, a China vem assediando plataformas de perfuração e embarcações de pesquisa da Malásia, levando a impasses que duram meses, de acordo com imagens de satélite e dados que rastreiam os movimentos dos navios.
“Obviamente, preferimos que os ativos chineses não estejam em nossas águas”, disse Nushirwan bin Zainal Abidin, que foi embaixador da Malásia na China de 2019 a 2023. Mas não há necessidade de que a disputa modifique o relacionamento mais amplo da Malásia com seu maior parceiro comercial. “Podemos deixar os cães dormindo”, disse ele. A necessidade do país por petróleo e gás offshore está começando a perturbar esse delicado ato de equilíbrio, disse um funcionário da Petronas. Ele observou que os navios da guarda costeira chinesa interromperam repetidamente as operações no campo de gás de Kasawari, que contém cerca de 3 trilhões de pés cúbicos de gás e onde a Malásia construiu recentemente sua maior plataforma offshore. “Para o que está acontecendo em Kasawari, não tenho uma solução, neste momento, ninguém tem” disse ele.
Em 2018, após assédio de embarcações chinesas, o Vietnã decidiu cancelar um grande projeto de petróleo no meio da construção, deixando as empresas envolvidas com perdas estimadas em US$ 200 milhões. Esse incidente foi um choque para a indústria e levou as empresas a reconsiderar investimentos na regiã. As novas descobertas da Malásia estão encorajando as empresas a retornar, mas os riscos agora são indiscutivelmente maiores do que nunca.
Nos últimos meses, autoridades chinesas disseram incisivamente que a exploração de recursos no Mar da China Meridional “não deve prejudicar a soberania territorial nem os direitos e interesses marítimos da China”. A Petronas rejeitou pedidos de entrevistas e não respondeu a perguntas sobre o Mar da China Meridional. Mas no ano passado, depois que Pequim divulgou um novo mapa da hidrovia que expandiu as reivindicações chinesas, o presidente-executivo da Petronas, Tengku Muhammad Taufik Aziz, fez uma declaração de objeção excepcionalmente forte. Extrair petróleo e gás offshore está dentro dos direitos soberanos da Malásia, ele disse. “A Petronas defenderá vigorosamente os direitos da Malásia”.
Referências
https://www.stripes.com/theaters/asia_pacific/2024-05-11/malaysia-oil-gas-collision-course-china-13826737.html
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