Indonésia nos BRICS

Nessa segunda-feira dia 06, o governo brasileiro, atual presidente do bloco, anunciou que a Indonésia foi admitida como membro pleno por consenso, conforme demanda o procedimento.

A nota oficial diz: “O governo brasileiro saúda a entrada da Indonésia no BRICS, com a maior população e economia do Sudeste Asiático, a Indonésia compartilha com outros membros o compromisso de reformar as instituições de governança global e contribui positivamente para aprofundar a cooperação Sul-Sul.”(1)

A candidatura foi aprovada em 2023, mas o presidente Joko Widodo optou por adiar a filiação, dizendo que o país iria “realizar um estudo e cálculo aprofundado” antes de apresentar uma manifestação oficial, como resultado, a Indonésia não estava entre os novos membros anunciados na cúpula de Joanesburgo.

A grande mídia e pequenos podcasts repercutiram a desistência, ou adiamento, sob uma lupa de “pró ou contra China”, na época alertamos que dinâmicas internas da Indonésia importavam mais do que essa visão maniqueísta, e citamos alguns pontos (2):

“Pontos pró China:

– Negocia com Pequim em Yuan há anos
– Diversos projetos da Rota da Seda, como o trem de alta velocidade Jacarta-Bandung
– A nova capital custará US$ 35 bilhões e a China e o Catar devem ser os maiores investidores
– A China é a segunda em investimento estrangeiro direto e maior parceira comercial com mais do que o dobro do que os EUA, por exemplo
– A Asean (bloco em que a Indonésia é uma espécie de líder natural) está para bater us$1 tri em comércio anual com a Pequim.
– Negociam um código de conduta marítimo que perpassa a UNCLOS, ou seja, a ONU e o Direito Internacional.
– Quando o AUKUS foi anunciado, mesmo sendo uma ferramenta anti-China, a Indonésia foi a nação que mais protestou alegando que “ agrupamentos minilaterais ancorados pelos EUA são vistos como excludentes e incitam desequilíbrios de poder.”

Por outro lado:
– A China é mal avaliada pela maioria dos indonésios
– Pós eleição de 2019, Fake News sobre uma suposta invasão chinesa em ilhas da Indonésia desaguou em tumultos e mortes
– o Fato da China levar seus próprios trabalhadores para seus projetos de investimentos viram com frequência brigas de rua no país.”

E completamos:

“Outros dois pontos que todos os “analistas” ignoraram são:

1 – Ano que vem haverá eleições no país, e se um líder totalmente diferente de Jokowi for eleito, nada disso terá adiantado. Muito embora valha ressaltar que essas grandes viradas de visão de mundo sejam muito mais comuns na América Latina. Mas a Indonésia não deixa de correr o risco de fazer como a Argentina em uma eventual vitória do Milei, a candidatura, a aceitação, a estrutura ser montada para o líder seguinte mandar fechar tudo em uma canetada.

2 – E o principal, a ASEAN. Realmente faz tanta diferença assim ser membro do BRICS para um país que ja coordena a ASEAN? Organismo multilateral infinitamente mais estruturado, com inúmeras conquistas econômicas e geopolíticas, e que tende a sofrer assédio das grandes potências devido ao seu lugar geográfico do mundo muito maior do que o BRICS. A Asean já possui suas visões de mundo como o “Asean way” e o “Asean centrality”, souberam jogar o jogo da guerra fria e se adaptar ao pós de uma forma ímpar.”

Em outubro do ano passado, durante a cúpula anual do BRICS em Kazan, Rússia, o novo Ministro das Relações Exteriores da Indonésia, Sugiono, disse que o sucessor de Jokowi, Prabowo Subianto, que havia tomado posse poucos dias antes, havia decidido que a Indonésia buscaria a adesão plena ao grupo.

Ao fazer o anúncio , Sugiono disse que buscar a adesão ao BRICS “incorpora a política externa ativa e livre do país” e está alinhada com as principais prioridades do governo Prabowo, incluindo “segurança alimentar e energética, erradicação da pobreza, bem como desenvolvimento de capital humano”. Prabowo, que inclusive, já visitou tantos os EUA quanto a China, assim como esteve por aqui no g20, “Isso não significa que estamos nos juntando a um determinado campo”, acrescentou Sugiono, “mas participamos ativamente de todos os fóruns”.

Voltando a nota oficial do governo brasileiro, ela termina com:

“A candidatura da Indonésia recebeu o aval dos líderes do agrupamento na Cúpula de Joanesburgo, em 2023, no contexto do processo de expansão do quadro de membros plenos do BRICS. Em função da realização de eleições presidenciais em 2024, a Indonésia comunicou formalmente ao grupo o seu interesse de ingressar no BRICS, somente após a formação de novo governo. Os países do BRICS, por consenso, aprovaram a entrada da Indonésia no agrupamento, em consonância com os princípios orientadores, critérios e procedimentos da expansão do quadro de membros acordados em Joanesburgo.”

Ou seja, a eleição pesou muito mais do que as relações exteriores, e o motivo é simples: o presidente Jokowi, visando entrar para o seleto hall de dinastias políticas do país, bagunçou o jogo eleitoral e tornou imprevisível o cenário.

O maior partido legislativo da Indonésia, o mesmo do jokowi, o Partido Democrático de Luta da Indonésia (PDI-P), detém 22% dos assentos no atual Congresso. Dá para fazer uma comparação ao pt, estruturado como partido de fato, o maior do país, e de longe com maior fidelidade partidária. Jokowi bagunçou tudo ao lançar seu filho na chapa rival, a de Prabowo, e apoiar discretamente Ganjar Pranowo, que era de seu partido, tanto é que logo pós eleições ele foi expulso do seu partido. Por fora corria Anies Baswedan, governador de Jacarta, mais ligado a religião, partidos dessa vertente apoiaram ele, visto como alguém que uniria mais estado e religião.

Ou seja, a depender de quem vencesse muita coisa poderia mudar, o que pode também explicar a mudança de postura da Indonésia é o interesse dos seus vizinhos do sudeste asiático: tanto a Malásia quanto a Tailândia anunciaram que haviam se candidatado formalmente à filiação ao BRICS. Em outubro, essas duas nações, assim como a Indonésia e o Vietnã, estavam entre as 13 nações que se tornaram países parceiros , Esses exemplos podem ter tranquilizado Prabowo sobre os limites da potencial reação negativa.

Israel também pode ter entrado no cálculo, Jacarta tem sido muito vocal em relação não somente a críticas a Israel, mas também tentado movimentações internacionais que visam punição e boicote ao país. A Indonésia buscou se associar à declaração de Kazan como uma expressão direta de preocupação sobre a questão palestina, também reconhecendo as medidas provisórias da África do Sul na Corte Internacional de Justiça sobre procedimentos legais contra Israel.

Está claro que as principais nações do Sudeste Asiático veem cada vez mais a filiação ao bloco como um meio de ampliar suas opções econômicas e diplomáticas em um momento de crescente tensão internacional. Desconfiados das crescentes tensões entre China, Rússia e o Ocidente, a Indonésia e seus vizinhos estão determinados a manter boas relações com ambos os lados.

O que nos leva ao texto do João Silveira sobre o tema (3), ele complementa com: “o interesse destes países de participarem do estabelecimento de uma nova ordem política e econômica no Sistema Internacional deve ser profundamente analisado sob a perspectiva de uma busca por autonomia e reconhecimento. Dessa maneira, por mais que os países dos BRICS possuam interesses além da “busca por justiça” no Sistema Internacional, é evidente que ao voltar a voz a uma plataforma como o BRICS, Malásia, Tailândia, Vietnã e Indonésia buscam não só maior projeção econômica, mas também uma transformação que lhes permita maior voz nas decisões globais e um papel mais ativo na construção de uma ordem mundial mais favorável para o sul global.”

E pra finalizar, a conclusão desse mesmo texto de 2023:

“A Indonésia não tem a pressa de desdolarizar sua econômica, e já possui o Yuan forte em seu comércio, ao contrário da maioria dos membros, não está fora do Swift, como Rússia e Irã, não tenta ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, ao contrário de Brasil e Índia, não possui questões de segurança com vizinhos que possa usar o bloco como mediador, como Egito e Etiópia. E já foi dito que outras expansões no futuro virão, então para que ter pressa de entrar agora?

Seus membros possuem isso em comum: não se ver devidamente representado nas organizações internacionais em comparação ao seu peso de fato no mundo. Praticamente todos eles acreditam que a ordem criada pós 1945 já não lhes representa mais e que Bretton Woods já não mais se sustenta.

Vale lembrar também que pauta divergente não significa excludente, o que os grandes movimentos geopolíticos do mundo mostram é que para toda ação há uma reação. Assim como o ataque russo gerou um fortalecimento da Otan, o avanço das sanções gerou uma aliança sem limites entre Rússia e China. E assim o mundo caminha, o BRICS é tanto uma reação a uma ordem internacional em colapso, como será a ação para muitas outra reações, seja de enfraquece-lo, seja na direção de torna-lo de fato um marco para um novo arranjo.”

Referências

1 – Site Gov – https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/ingresso-da-indonesia-no-brics

2 – Texto – https://mentemundo.com.br/site/2023/09/23/a-indonesia-e-os-brics/ podcast –

3 – https://pucminasconjuntura.wordpress.com/2024/11/19/indonesia-malasia-tailandia-e-vietna-o-sudeste-asiatico-busca-espaco-no-brics/

 

 

 

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