As relações internacionais não perdoam!

Nas Relações Internacionais vigora um conceito chamado de anarquia internacional. Por mais que as diversas correntes teóricas possam divergir sobre o que deve ser feito e como as relações entre países devam ser pensadas a partir disso, nenhuma delas discorda que há essa tal anarquia, uma vez que não há uma lei ou algum tipo de ato normativo universal.

Devido à fragilidade desse sistema e a discrepância na balança de poder entre as nações, é imprescindível contar com um corpo diplomático profissional, pragmático e técnico. A falta de normas e regras que possam reger e direcionar as relações entre os Estados somados ao sistema não linear de relacionamentos, esferas de poder e projeção entre eles, tornam visível, o quão o mundo é regido pela Teoria do Caos.

Essa teoria, também chamada de Efeito Borboleta, alega sistemas complexos e dinâmicos tendem a não previsibilidade, que toda ação gera uma reação imediata, toda causa tem um efeito, o hoje ocorre por uma infinidade de ações tomadas ontem e o amanhã será consequência de inúmeras atitudes de hoje. Nas Relações Internacionais é possível notar essa dinâmica na prática como em poucos outros campos do saber.

A China envia seus próprios trabalhadores nos projetos de financiamento de infraestrutura pelo mundo como forma de escoar a imensa quantidade de mão de obra no país como política de Estado, recentemente o governo começou a se preocupar com o aumento de chineses cristãos e muçulmanos, uma vez que esses trabalhadores ficam meses e até anos em outras regiões, acabam voltando influenciados por elas.

O Afeganistão tem hoje um grande time de críquete devido ao fato de nos anos 90 o Talibã chegar ao poder após uma guerra civil no país com a retirada do exército soviético, essa crise levou milhões para o vizinho Paquistão e fez com que os afegãos aprendessem o esporte, e ironicamente, nos dias de hoje, após regressarem ao país natal com a invasão americana e o enfraquecimento de grupos radicais, o mesmo Talibã o ameaça com sua visão extremista do islã, a diferença é que agora o esporte tem um grande apelo social, sendo o mais praticado junto com o futebol, mas diferentemente dele, o críquete consegue alavancar o país às grandes competições mundiais.

Os EUA politizar o sistema financeiro mundial através de suas sanções criou relações amistosas inesperadas, como a China-Rússia e até mesmo a histórica desavença entre russos e turcos que remetem aos tempos de império russo x otomano foi deixada de lado em nome de um benefício mútuo. Hoje quem decidiu os rumos do Oriente Médio foi Putin e Erdogan e não Trump. A Eurásia se tornou o grande poder ameaçador ao Status Quo vigente ocidental.

Ainda que haja o chamado Caos Determinístico como nos exemplos acima, a história e a experiência já provaram que algumas atitudes são mais passíveis a erro e outras menos, alguns temas estão superados no meio diplomático profissional, são dados como morte política certa. Como personificar a relação entre nações, desmerecer a importância regional e ignorar a Teoria do Caos.

Em uma só tacada, Bolsonaro conseguiu fazer as três. Ele não só tentou intervir em todo processo eleitoral argentino, como também, reduziu as relações do MERCOSUL às ideologias fazendo pouco caso do bloco e agora já começa a sofrer com a Teoria do Caos de suas atitudes.

A crise no Chile, que dificilmente colocará outro conservador nas próximas eleições, a crise institucional no Paraguai com o escândalo de Itaipu de outro conservador, a provável vitória em segundo turno da centro-esquerda no Uruguai, as eleições para prefeito na Colômbia que mostraram um avanço do progressismo, que inclusive elegeu para a capital do país uma cientista política lésbica que fez questão de beijar sua companheira na frente de todos durante sua comemoração e a derrota de Macri, além de outros efeitos de segunda e terceira ordem, colocam um efeito prático imediato, a estagnação da PROSUL.

A PROSUL, fórum de diálogo regional, surgiu por iniciativa dos presidentes chileno, colombiano e brasileiro. Ainda que a UNASUL estivesse enfraquecida, criar um bloco com clara intenção de viés ideológico e enterrar a vigente seria um óbvio entrave regional, um fórum entre Estados virou uma reunião entre governos. Tudo o que a América Latina menos precisava agora era de crise institucional de seus mecanismos continentais, o subcontinente passa por diversos problemas e cresce abaixo da média mundial.

Bolsonaro já esta ficando isolado na região, e para piorar, o Efeito Borboleta bateu em sua porta. Ao dizer palavras fortes contra Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, o presidente brasileiro criou um inimigo pessoal, não tardou para Fernández retrucar a altura: No dia do aniversário do ex-presidente Lula, o então candidato fez um vídeo parabenizando-o, e para agravar, no comício da vitória após a apuração de votos, o novo presidente argentino disse “Lula livre” e puxou um coro para que os argentinos gritassem o mesmo.

De ordem prática interna, essa briga não terá efeito nenhum, quem ama e quem odeia Bolsonaro e Lula não mudará seus posicionamentos por causa do atrito. Mas perante a comunidade internacional, que já reflete sobre as circunstâncias dessa prisão, ter o segundo maior e mais importante país da região a se posicionar abertamente sobre o assunto pode sim influenciar na pressão mundial para soltá-lo.

Bolsonaro tratou tudo e todos com uma visão binária e ingênua, com um corpo diplomático igualmente binário e ingênuo, colocou o Brasil em uma posição delicada no bloco, uma mistura de desprezo e indiferença com o país que já causou mal estar com seus vizinhos por elogiar ditaduras militares pela região. Ainda que o país seja a maior e mais importante economia da região, não está em posição de esnobar nenhum tipo de benesse econômica e cooperação regional.

O que será do futuro ninguém é capaz de prever, mas se as novas lideranças de esquerda derem o troco na mesma moeda como Fernández já se mostrou inclinado a fazê-lo, pode ser que no futuro haja outros blocos e fóruns regionais com o Brasil de fora ou com o protagonismo reduzido. A única certeza que dá para cravar é que as relações internacionais não perdoam!